Amar na Maré: A revolta de uma multidão
Estudo relacionado ao curso Clássicos e contemporâneos sobre favelas, realizado no âmbito do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O curso teve objetivo de debater o lugar das favelas no Rio de Janeiro, estabelecendo diálogos entre estudos clássicos e contemporâneos. Este verbete registra a aula aberta sobre o tema "Amar na Maré: a revolta de uma multidão".
Autoria: Mariana Vieira e Isabela Maia
Aula aberta com participação de Wallace Lino
Resumo[editar | editar código-fonte]
Memorando da aula aberta “Amar na Maré, a revolta de uma multidão” promovida pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia do IESP-UERJ, inserida no programa da disciplina “Clássicos contemporâneos sobre favelas” e ministrada pelo Wallace Lino.
Sobre Wallace Lino[editar | editar código-fonte]
Wallace Lino, mestre pelo Programa de Pós-graduação em Relações Étnico Raciais do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca.
Pesquisador, ator, diretor, dramaturgo e educador. Formado em licenciatura do teatro pela Escola de Teatro da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é integrante da cia marginal, companhia reconhecida na cena artística contemporânea carioca, com uma trajetória marcada pelo compromisso político de levar a arte da favela para o resto da cidade, do país e até do mundo, desde 2005.
É ainda cofundador do Grupo Atiro, braço pedagógico da cia marginal que oferece aulas de teatro a moradores da Maré, e cocriador do projeto Entidade Maré, fundado em 2020 com objetivo de apresentar a memória cultural LGBTQIA+ na inscrição deste território e da cidade, no qual toda pesquisa se transforma ou resulta em um produto artístico.
Cria da Maré, bairro localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro e formado por um conglomerado de 16 comunidades, teve seu território delimitado pelo Decreto nº 7.980/88. Atualmente é considerado um dos maiores conjuntos de favela do Brasil.
Trajetória de trabalhos de Wallace Lino[editar | editar código-fonte]
2021 e 2022[editar | editar código-fonte]
O trabalho “Amar na Maré” e “Noite das Estrelas: uma explosão de amor das grafias cosmopoéticas negras LGBT+ faveladas”, foram publicados nos anos de 2021 e 2022 respectivamente, pós pandemia do coronavírus que assolou o Brasil e o mundo, período em que o Brasil foi fortemente afetado pelos seus efeitos, em especial a cultura e territórios de favela.
2023[editar | editar código-fonte]
Em março de 2023 ministrou a aula “Amar na Maré, a revolta de uma multidão” para alunos e convidados do Programa de Pós-graduação em Sociologia do IESP-UERJ, inserida no programa da disciplina “Clássicos contemporâneos sobre favelas”, lecionada pela Prof. Palloma Valle Menezes
Objetivos dos textos[editar | editar código-fonte]
Ambos os textos produzidos por Wallace Lino, versam sobre a ocupação-espetáculo.
No caso de “Noite das Estrelas” , possui como objetivo compartilhar a memória coletiva sobre a população LGBTQIA+ da Maré e assim transpor abismos territoriais e de gênero.
Argumentos utilizados pelo autor[editar | editar código-fonte]
Lino argumenta que o fato de ser morador da Maré faz com que a pesquisa sobre as narrativas LGBT não seja algo pontual em algum momento específico da vida, mas que o atravessa.
Deste modo, almeja-se apresentar o conceito de favela para além do paradigma da ausência, da falta, com ênfase nas expressões da questão social mas apresentar e trabalhar a potência deste território (Fernandes et al, 2018) e o seu processo de resistência.
Durante a palestra, Lino ressalta que a morte existe como uma imagem de uma brincadeira íntima que vivem as pessoas pretas, periféricas e faveladas. Nesse sentido, quis fugir da temática comum e estigmatizada para fazer menção às travestis como a relação com o HIV, ou da violência e mortalidade, e optou, através da ocupação “Noite das Estrelas”, por falar de amor.
Metodologia da pesquisa[editar | editar código-fonte]
Para a realização da pesquisa foi adotada a história oral para a produção de dados, privilegiando a narrativa da população LGBTQIA+ da Maré, sua memória e história, somada a análise de fotografias e observação das performances. No que tange ao método da história oral, Portelli (2010) nos ensina que a proposta é recolher a voz de um determinado grupo e amplificá-la à medida que a levamos para o espaço público, uma vez que até então essa voz estava restrita a um espaço limitado. Ressaltamos se tratar de uma metodologia muito utilizada para se trabalhar a memória, por permitir que grupos muitas vezes invisibilizados sejam ouvidos, humanizando histórias e preservando a memória coletiva de uma determinada comunidade.
Obstáculos[editar | editar código-fonte]
Dito isto, enfatizamos que Lino percebeu que diversos espaços de memória da Maré não tinham ou não queriam compartilhar os registros da época da Noite das Estrelas dos anos 80 e 90, sob a justificativa de que era uma época muito violenta para a comunidade LGBT. Pantera (uma das atrizes) e vizinhos, contudo, possuíam diversos registros em vídeo e foto, aos quais Lino teve acesso. Lino argumenta que “Noite das Estrelas” está ligada à história do Rio de Janeiro: “quando a gente fala de Rio de Janeiro e não fala de algo que durou 20 anos e arrastou multidões, a gente não sabe nada da história do Rio de Janeiro”, afirma o autor. Conforme destacou em sua fala, “a proposta é resgatar o protagonismo, o discurso deste grupo”, produzindo um espetáculo para conservação da memória, compartilhamento e preservação da cultura. Há, nesse sentido, uma perspectiva do sonho na Noite das Estrelas: como o sonho é matéria, e material de um vida que é infinita: “os nossos que se foram continuam vivos na gente”, diz Lino.
Conceitos utilizados[editar | editar código-fonte]
Por fim, para além do conceito de favela outros conceitos importantes também foram utilizados na produção dos textos.
Entre eles, é possível mencionar o debate proposto sobre memória, englobando o conceito de memória coletiva para reconhecimento e construção de identidade;
lugar de memória ao enfatizar como os diferentes processos de ocupação na Maré geraram obstáculos à constituição do bairro Maré enquanto lugar de memória, onde as diferentes identidades e as inúmeras memórias dos moradores pudessem encontrar ancoradouro;
a interseccionalidade que embora seja uma discussão recente é extremamente necessária e parte das novas demandas que estão sendo apresentadas pela sociedade;
e o esvaziamento da resistência, expressão usada por Lino para criticar a ideia de resistência que desconsidera o papel do desejo do grupo/pessoa que “resiste”.
A criação da Maré está, para o autor, neste lugar, de um povo que quer ser livre, que não apenas “resiste”, mas que possui desejos e vontades legítimos.
Fontes[editar | editar código-fonte]
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
- Andrade, J.; Lino, W. G.; Affonso, M. ; Lino, P. V. Amar na maré. Espaço Público Periódico: Piseagrama, v. 1, p. 10, 2021.
- Lino, Wallace. Noite das Estrelas: uma explosão de amor das grafias cosmopoéticas negras LGBT+ faveladas. Revista Museologia & Interdisciplinaridade, v. 1, p. 149-163, 2022.