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Jardim Catarina (bairro) - Dicionário de Favelas Marielle Franco

Jardim Catarina (bairro)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Situado no município de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, Jardim Catarina nasce como bairro e se desenvolve como favela. Considerado o bairro mais populoso do município de São Gonçalo, cresceu recebendo muitos moradores operários de São Gonçalo na época do “boom” da industrialização (1940-1960), além de moradores de favelas removidos do município de Niterói, entre outros.

Loteamento do Jardim Catarina- anúncio.jpg
Autoria: Danielle Pereira de Oliveira Paiva

Jardim Catarina: de sonho projetado a campo de disputa[editar | editar código-fonte]

Urbaniza-se? Remove-se? São 200, são 300 as favelas cariocas? O tempo gasto em contá-las é o tempo de outras surgirem. 800 mil favelados ou já passa de um milhão? Enquanto se contam, ama-se em barraco e a céu aberto, novos seres se encomendam ou nascem [...] (ANDRADE, Carlos Drummond de. 2009, p. 477)

A forma que o Brasil foi construído, como colônia de exploração, e erguido por mão de obra escrava são fatores que mesmo séculos depois ainda gera desigualdades. O êxodo rural, que ocorreu com a industrialização do país durante o século XX, proporcionou o aumento desordenado da população no meio urbano em diversas regiões do país. Esse fenômeno de crescimento urbano, criou “espaços” específicos para a população pobre, os cortiços e favelas, e que por isso, estigmatizados, ficaram associados a violência, a vagabundagem, ao desleixo, e ao crime. A segregação socioespacial é uma das facetas que atravessa o passado e o presente da desigualdade no Brasil. Todas as grandes cidades têm um ou vários “bairros de má fama” onde se concentra a classe operária, a massa trabalhadora. É certo ser frequente a miséria abrigar-se em vielas escondidas, embora próximas aos palácios dos ricos; mas, em geral, é-lhe designada uma área à parte, na qual, longe do olhar das classes mais afortunadas, deve safar-se, bem ou mal, sozinha (ENGELS, 2010, p.71).[1]

Assim nasce em 1953 o Jardim Catarina, terceiro distrito de Monjolos, como o maior loteamento plano da América Latina, mas sem a mínima estrutura para dar conta do tamanho da população que viria abrigar. O Jardim Catarina nasce como bairro, entretanto por processos sociais, políticos e econômicos se desenvolve como favela, e é segundo Dominguez (2018), o bairro mais populoso do município de São Gonçalo, fundado em 1579, no entanto, seu lançamento oficial como bairro Jardim Catarina ocorreu em 1953. O jornal O Fluminense, em sua edição de 30 de julho de 1953, publicou no caderno de classificados a chamada de abertura do loteamento. Os anúncios destacavam a oportunidade de negócio para quem desejava investir no mercado imobiliário de São Gonçalo, pois a empresa/loteadora, que se chamava “Jardim Catarina S.A.”, estava oferecendo lotes a bom preço e facilidades de financiando, sem necessidade de efetuar qualquer aporte financeiro de entrada e com parcelas pré-fixadas (DOMINGUEZ, 2016, p.94)[2].

O Jardim Catarina cresceu recebendo como moradores operários de uma São Gonçalo que estava em transição rural/urbana e que viviam o “boom” da industrialização (1940-1960), servindo de sede para diversas indústrias nacionais e internacionais, além disso, também recebeu moradores de favelas do município de Niterói que foram removidas pelo projeto urbanístico da cidade (DOMINGUEZ, 2016). A organização espacial do Jardim Catarina (JC) sintetiza e reflete as inúmeras contradições inerentes à urbanização do Estado do Rio de Janeiro. Local onde a produção do espaço se deu de forma desigual, dentro do movimento histórico de fragmentação territorial e de adensamento urbano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). No entanto, ao mesmo tempo, o loteamento se mostrou essencial para a reprodução da vida em meio a um ambiente de restrições e de concentração de recursos econômicos nas áreas centrais da metrópole (DOMINGUEZ, 2018, p.16).[3][4]

A urbanização das grandes cidades cria espaços de segregação, limites e fronteiras, entre o rural e o urbano, entre o asfalto e a favela, assim o Jardim Catarina antes um espaço rural transforma-se em um loteamento urbano, ascende a bairro décadas depois, e posteriormente torna-se favela, mobilidade não tão incomum em diversas áreas da região do Rio de Janeiro. Conforme Pestana (2017), é a vivência do proletariado dentro de um capitalismo dependente que impulsiona o crescimento das favelas, a existência das favelas está intrinsecamente ligada a pauperização do trabalhador, pois é apenas nas favelas, nas comunidades e periferias que a parte mais pauperizada da população conseguirá sobreviver. A desigualdade social que tanto marca a produção do espaço das cidades também se fez/faz presente no Jardim Catarina.

Não demorou para que localidades menores, com padrões de construção de baixa qualidade, começassem a surgir em áreas até então não ocupadas e que não faziam parte das plantas originais dos empreendimentos aprovados pela prefeitura. Muitos desses lugares eram tidos como incompatíveis para morar. Margens de rios e a faixa marginal da linha de trem e da rodovia RJ-104 tornaram-se possibilidades ainda mais baratas, e totalmente fora da regulação do mercado imobiliário local até então estabelecido (DOMINGUEZ, 2018, p.118[5]). Dados não formais estimam uma população atual entre 100 a 240 mil pessoas, mas de acordo com o último censo de 2010, o Jardim Catarina contava com uma população de 73.042 habitantes, ainda assim uma população muito maior que diversos munícipios brasileiros. Segundo dados do CCJC (Centro Comunitário Jardim Catarina), a população do Jardim Catarina é composta majoritariamente por jovens e 70% da população são de negros. Com os problemas característicos das áreas formadas por segregação socioespacial, o Jardim Catarina enfrenta a violência, faltas de estruturas de lazer, saneamento básico, segurança, e escolas precárias, além do título típico de “área de risco”. Como tantas outras favelas/comunidades, o que coloca esse território em visibilidade é a violência, como se fosse composto apenas por ela, como um sinônimo, ratificando a ideologia que a favela/comunidade é lugar de crime, vagabundagem, e nada mais.

O maior loteamento da América Latina, JC para os moradores, foi pensado como bairro, esquecido como favela, renomeado como comunidade, classificado como aglomerado subnormal, e como seus homônimos cariocas têm os mesmos problemas, barricadas, traficantes, operações policiais violentas, mas não só. São trajetórias de trabalhadores, estudantes, comerciantes, homens, mulheres e crianças que tem suas narrativas entrecortadas pelas ONGs, o tráfico e o Estado (manifestado pelo monopólio da violência), todos subsumidos no mesmo território. Assim, ao buscar a história e as origens das favelas no Brasil não é sobre ter um objeto de pesquisa onde se tenha um campo material que se possa estudar violência e desigualdades, mas é ir além e observar que nesse espaço encontramos lutas, resistência e diversas trajetórias. Segundo Valladares, os que pesquisam sobre o pensamento social brasileiro, não tem visto a relevância de pesquisar sobre as narrativas da favela e aqueles que nela moram (VALLADARES, 2000). Isso se torna imprescindível para a quebra de estereótipos, sobre a população. A favela não é lugar de pobreza e de crime, é lugar de trabalhadores, de cidadãos ( ainda que sem acesso a cidadania) que pelos processos sociais e históricos são obrigados a conviver com a pobreza e com o crime.

O Jardim Catarina, assim como tantos outros bairros, comunidades, favelas, e outros espaços periféricos são colocados como um não lugar, onde há esbanjamento de “ausências”, saúde, educação, saneamento básico, e segurança, entretanto, mesmo que apenas a memória visibilize, há histórias, vivências, e lutas. Como já dito por Lélia Gonzales, vivemos sobre a égide de uma cultura neurótica, onde de forma consciente tentamos apagar ou invisibilizar a história do povo negro, mas a memória é capaz de incluir o que a consciência pretende excluir (GONZALEZ, 2018). Dessa forma, não é difícil explicar o porquê da escassez de estudos não só sobre o Jardim Catarina, mas como de outros territórios denominados favelas, que só ganham notoriedade nas páginas policiais, já que o poder hegemônico não pretende apenas promover a invisibilidade social e política desses espaços, mas também demarcá-los unicamente como produtores de violência, e dessa maneira a própria violência do Estado é legitimada. Portanto, esses territórios são perpetuamente lugares pretendidos como territórios de esquecimento, e exclusão“ e que no entanto, como sujeitos continuam construindo sua história. Percebe-se que há uma relevância cada vez mais crescente da gênese desses lugares, mais que analisar a dicotomia presente no asfalto x favela, é pensá-los não apenas como objeto de análise, mas como esses territórios podem ser sujeitos de conhecimento “[...] é o próprio processo de constituição social dos favelados e o estabelecimento como sujeitos e das relações entre favela e não favela, bem como os favelados e não favelados, que precisa ser tomado como objeto de análises e investigações” (PESTANA, 2017, p.248).[6]

  1. Todas as grandes cidades têm um ou vários “bairros de má fama” onde se concentra a classe operária. É certo ser frequente a miséria abrigar-se em vielas escondidas, embora próximas aos palácios dos ricos; mas, em geral, é-lhe designada uma área à parte, na qual, longe do olhar das classes mais afortunadas, deve safar-se, bem ou mal, sozinha (ENGELS, 2010, p.71).
  2. O lançamento oficial do Jardim Catarina ocorre em 1953. O jornal O Fluminense, em sua edição de 30 de julho de 1953, publica no caderno de classificados a chamada de abertura do loteamento. Os anúncios destacavam a oportunidade de negócio para quem desejava investir no mercado imobiliário de São Gonçalo, pois a empresa/loteadora, que se chamava “Jardim Catarina S.A.”, estava oferecendo lotes a bom preço e facilidades de financiando, sem necessidade de efetuar qualquer aporte financeiro de entrada e com parcelas pré-fixadas (DOMINGUEZ, 2016, p.94)
  3. A organização espacial do Jardim Catarina (JC) sintetiza e reflete as inúmeras contradições inerentes à urbanização do Estado do Rio de Janeiro. Local onde a produção do espaço se deu de forma desigual, dentro do movimento histórico de fragmentação territorial e de adensamento urbano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). No entanto, ao mesmo tempo, o loteamento se mostrou essencial para a reprodução da vida em meio a um ambiente de restrições e de concentração de recursos econômicos nas áreas centrais da metrópole (DOMINGUEZ, 2018, p.16).
  4. A organização espacial do Jardim Catarina (JC) sintetiza e reflete as inúmeras contradições inerentes à urbanização do Estado do Rio de Janeiro. Local onde a produção do espaço se deu de forma desigual, dentro do movimento histórico de fragmentação territorial e de adensamento urbano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). No entanto, ao mesmo tempo, o loteamento se mostrou essencial para a reprodução da vida em meio a um ambiente de restrições e de concentração de recursos econômicos nas áreas centrais da metrópole (DOMINGUEZ, 2018, p.16).
  5. A desigualdade social que tanto marca a produção do espaço das cidades também se fez presente no Jardim Catarina. Não demorou para que localidades menores, com padrões de construção de baixa qualidade, começassem a surgir em áreas até então não ocupadas e que não faziam parte das plantas originais dos empreendimentos aprovados na prefeitura. Muitos desses lugares eram tidos como incompatível para morar. Margens de rios e a faixa marginal da linha de trem e da rodovia RJ-104 tornaram-se possibilidades ainda mais baratas, e totalmente fora da regulação do mercado imobiliário local até então estabelecido (DOMINGUEZ, 2018, p.118
  6. é o próprio processo de constituição social dos favelados e o estabelecimento como sujeitos e das relações entre favela e não favela, bem como os favelados e não favelados, que precisa ser tomado como objeto de análises e investigações” (PESTANA, 2017, p.248).

Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]

ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia, v. 3. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009. p. 477. Centro Comunitário Jardim Catarina. Disponível em : https://prosas.com.br/empreendedores/26236-centro-comunitario-jardim-catarina. Acessado em : 16 de jun. 2022.

DOMINGUEZ, Marco Thimóteo. Do gatilho ao lote: As disputas pelo espaço urbano do Jardim Catarina - São Gonçalo, RJ, 2018. 207 f. Tese (doutorado em história, política e bens culturais)- fundação Getúlio Vargas centro de pesquisa e documentação de história contemporânea do Brasil – CPDOC -programa de pós-graduação em História, Política e Bens Culturais, 2018.

ENGELS, F. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010.

GONZALEZ Lélia. Lélia Gonzalez: Primavera para as rosas negras. São Paulo: UCPA Editora, 2018.

População Jardim Catarina São Gonçalo. População, 2022. Disponível em: https://populacao.net.br/populacao-jardim-catarina_sao-goncalo_rj.html. Acessado em: 20 de jun. 2022.

O rural e o urbano no município de São Gonçalo. Disponível em: http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Geografiasocioeconomica/Geografiaurbana/175. Acessado em 20 de abr. 2022.

PESTANA, Marcos Marques. Remoções nas favelas e periferias : Empresários, Estado e Movimento de favelados 1957-1973. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2017.

VALLADARES, L. A GÊNESE DA FAVELA CARIOCA. A produção anterior às ciências sociais in RBCS Vol. 15 no 44 outubro/2000. WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.

Ver também[editar | editar código-fonte]