Baile Funk: mudanças entre as edições

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<span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Com o tempo, as constantes denúncias de violações de direitos, a crise financeira do estado do Rio de Janeiro e o fim dos megaeventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, contribuíram para a falência desta iniciativa. Atualmente, as UPPs cumprem um papel meramente figurativo na maioria das favelas, incapazes de coibir o varejo de drogas ilícitas e suas armas de grosso calibre, como prometido anteriormente. Concebida a partir de um repertório estruturado em torno da metáfora da guerra (Leite: 2012), esta política sucumbiu aos desdobramentos de seu pecado original, a saber, o de tratar a população favelada como população a ser controlada e não como cidadãos cujos direitos devem ser resguardados (Birman: 2008). A derrocada, ainda não admitida oficialmente pelos agentes de Estado, contribuiu para que o funk carioca voltasse a respirar.</span></span></span></span></span>
<span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Com o tempo, as constantes denúncias de violações de direitos, a crise financeira do estado do Rio de Janeiro e o fim dos megaeventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, contribuíram para a falência desta iniciativa. Atualmente, as UPPs cumprem um papel meramente figurativo na maioria das favelas, incapazes de coibir o varejo de drogas ilícitas e suas armas de grosso calibre, como prometido anteriormente. Concebida a partir de um repertório estruturado em torno da metáfora da guerra (Leite: 2012), esta política sucumbiu aos desdobramentos de seu pecado original, a saber, o de tratar a população favelada como população a ser controlada e não como cidadãos cujos direitos devem ser resguardados (Birman: 2008). A derrocada, ainda não admitida oficialmente pelos agentes de Estado, contribuiu para que o funk carioca voltasse a respirar.</span></span></span></span></span>
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Ao longo deste período de suspensão dos bailes imposto pelas UPPs, pequenos eventos aconteciam vez ou outra quando negociações locais com os comandos das UPPs, sempre truncadas e permeadas por conflitos, eram bem-sucedidas (Novaes: 2016, pp. 21 – 47). Mesmo assim, devido à falta de periodicidade e divulgação restrita, estes bailes eram voltados para os moradores da favela onde ocorriam e não tinham grande repercussão. Apesar disso, algumas regiões conseguiram manter seus bailes em funcionamento pleno, entre elas o Complexo da Maré, conjunto de favelas situadas às margens da Avenida Brasil. Ao menos dois bailes perenes ocorriam nas favelas da Nova Holanda e do Parque União. Isso fez com que a região se tornasse o principal reduto do funk carioca naquele período. Nas noites mais movimentadas cerca de 10.000 pessoas lotavam o baile da Nova Holanda, por exemplo.</span></span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Em 2015, um grupo de jovens DJs do Complexo da Maré passou a explorar um recurso que, embora não fosse novidade no funk, nunca havia sido levado aos limites que se ouvia ali. Músicas antes produzidas em um andamento que girava em torno de 130 batidas por minuto (bpm) chegavam ser executadas a 160 bpm. Ao acelerar o andamento se obtinha uma cadência que instigava a agitação dos dançarinos. Por outro lado, as músicas perdiam os graves, as vozes dos MCs ficavam mais agudas e, dependendo da base usada, a música se tornava apenas uma confusa massa sonora.</span></span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A alteração no andamento gerou uma polêmica que mobilizou os principais expoentes do mundo funk e foi apelidada por muitos de “a treta do 150bpm”. Pouco tempo depois das primeiras experimentações no andamento – e das consequentes críticas – o DJ Polyvox, um dos protagonistas do baile da Nova Holanda, criou a primeira base originalmente produzida em 150bpm. O “tambor coca-cola” foi elaborado a partir do som de uma garrafa de refrigerante batendo na porta de seu estúdio. A criação de Polyvox contribuiu para que as críticas arrefecessem ao mesmo tempo em que firmou o 150bpm como um “limite” mais aceitável para as experimentações no andamento. O ano de 2016, auge do baile da Nova Holanda, marcou também as Olimpíadas no Rio de Janeiro e o declínio das UPPs.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Progressivamente, alguns bailes voltaram a acontecer em diversas favelas e o título de principal centro irradiador do funk carioca foi concedido ao baile da Gaiola, onde outros DJs, como Rennan da Penha, também tratavam de aperfeiçoar as produções em 150bpm. A partir deste momento, o funk no andamento que o caracterizou nos últimos 20 anos seria um artigo em extinção nos bailes cariocas. O Baile da Gaiola tornou-se um fenômeno entre a juventude carioca e contribuiu para que o funk produzido no Rio de Janeiro retomasse a relevância no cenário nacional, com diversas músicas de sucesso lançadas nos últimos anos. Rennan da Penha, principal artista do baile, passou a sofrer perseguições dos aparatos de repressão do Estado. Acusado de envolvimento com o tráfico de drogas por conta de seu trabalho como DJ ele foi, em janeiro de 2016, mais um a compor as estatísticas de jovens negros encarcerados arbitrariamente. A falta de evidências não impediu que ele permanecesse privado da liberdade por cerca de quatro meses enquanto buscava provar sua inocência.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Após ser inocentado naquele ano, Rennan lançou músicas com artistas como Ludmilla, Livinho, entre outros que alcançaram sucesso nacional. Apesar do reconhecimento por seu trabalho - talvez justamente por isso - o Ministério Público recorreu e o DJ foi condenado em segunda instância no processo que o acusava de associação ao tráfico de drogas. A acusação, claramente arbitrária, argumentava que o artista seria “olheiro” do tráfico, uma das funções menos remuneradas em toda a cadeia do crime. A condenação de Rennan gerou diversas manifestações em todo o país que apontavam o viés racista de sua prisão. Beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu prisões após julgamento em segunda instância, o DJ foi solto em novembro de 2019. Seu caso não foi isolado. Em julho de 2019 outros nomes do movimento 150 bpm como os DJs Polyvox, FP do Trem Bala e Iasmin Turbininha, foram chamados para depor pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, em mais uma tentativa de criminalizar o funk carioca.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Se existe uma continuidade no baile funk em seus 40 anos de existência, apesar das mudanças nas músicas, danças, modas, territórios etc, é a sua criminalização. Junto com ela, a incrível capacidade de sobrevivência dessa forma de lazer e criação artística, marcada pela permanente reinvenção criativa, baseada na teimosa insistência da juventude popular carioca em afirmar o direito a ser feliz.</span></span></span></span></p>   
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Ao longo deste período de suspensão dos bailes imposto pelas UPPs, pequenos eventos aconteciam vez ou outra quando negociações locais com os comandos das UPPs, sempre truncadas e permeadas por conflitos, eram bem-sucedidas (Novaes: 2016, pp. 21 – 47). Mesmo assim, devido à falta de periodicidade e divulgação restrita, estes bailes eram voltados para os moradores da favela onde ocorriam e não tinham grande repercussão. Apesar disso, algumas regiões conseguiram manter seus bailes em funcionamento pleno, entre elas o Complexo da Maré, conjunto de favelas situadas às margens da Avenida Brasil. Ao menos dois bailes perenes ocorriam nas favelas da Nova Holanda e do Parque União. Isso fez com que a região se tornasse o principal reduto do funk carioca naquele período. Nas noites mais movimentadas cerca de 10.000 pessoas lotavam o baile da Nova Holanda, por exemplo.</span></span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Em 2015, um grupo de jovens DJs do Complexo da Maré passou a explorar um recurso que, embora não fosse novidade no funk, nunca havia sido levado aos limites que se ouvia ali. Músicas antes produzidas em um andamento que girava em torno de 130 batidas por minuto (bpm) chegavam ser executadas a 160 bpm. Ao acelerar o andamento se obtinha uma cadência que instigava a agitação dos dançarinos. Por outro lado, as músicas perdiam os graves, as vozes dos MCs ficavam mais agudas e, dependendo da base usada, a música se tornava apenas uma confusa massa sonora.</span></span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A alteração no andamento gerou uma polêmica que mobilizou os principais expoentes do mundo funk e foi apelidada por muitos de “a treta do 150bpm”. Pouco tempo depois das primeiras experimentações no andamento – e das consequentes críticas – o DJ Polyvox, um dos protagonistas do baile da Nova Holanda, criou a primeira base originalmente produzida em 150bpm. O “tambor coca-cola” foi elaborado a partir do som de uma garrafa de refrigerante batendo na porta de seu estúdio. A criação de Polyvox contribuiu para que as críticas arrefecessem ao mesmo tempo em que firmou o 150bpm como um “limite” mais aceitável para as experimentações no andamento. O ano de 2016, auge do baile da Nova Holanda, marcou também as Olimpíadas no Rio de Janeiro e o declínio das UPPs.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Progressivamente, alguns bailes voltaram a acontecer em diversas favelas e o título de principal centro irradiador do funk carioca foi concedido ao baile da Gaiola, onde outros DJs, como Rennan da Penha, também tratavam de aperfeiçoar as produções em 150bpm. A partir deste momento, o funk no andamento que o caracterizou nos últimos 20 anos seria um artigo em extinção nos bailes cariocas. O Baile da Gaiola tornou-se um fenômeno entre a juventude carioca e contribuiu para que o funk produzido no Rio de Janeiro retomasse a relevância no cenário nacional, com diversas músicas de sucesso lançadas nos últimos anos. Rennan da Penha, principal artista do baile, passou a sofrer perseguições dos aparatos de repressão do Estado. Acusado de envolvimento com o tráfico de drogas por conta de seu trabalho como DJ ele foi, em janeiro de 2016, mais um a compor as estatísticas de jovens negros encarcerados arbitrariamente. A falta de evidências não impediu que ele permanecesse privado da liberdade por cerca de quatro meses enquanto buscava provar sua inocência.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Após ser inocentado naquele ano, Rennan lançou músicas com artistas como Ludmilla, Livinho, entre outros que alcançaram sucesso nacional. Apesar do reconhecimento por seu trabalho - talvez justamente por isso - o Ministério Público recorreu e o DJ foi condenado em segunda instância no processo que o acusava de associação ao tráfico de drogas. A acusação, claramente arbitrária, argumentava que o artista seria “olheiro” do tráfico, uma das funções menos remuneradas em toda a cadeia do crime. A condenação de Rennan gerou diversas manifestações em todo o país que apontavam o viés racista de sua prisão. Beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu prisões após julgamento em segunda instância, o DJ foi solto em novembro de 2019. Seu caso não foi isolado. Em julho de 2019 outros nomes do movimento 150 bpm como os DJs Polyvox, FP do Trem Bala e Iasmin Turbininha, foram chamados para depor pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, em mais uma tentativa de criminalizar o funk carioca.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Se existe uma continuidade no baile funk em seus 40 anos de existência, apesar das mudanças nas músicas, danças, modas, territórios etc, é a sua criminalização. Junto com ela, a incrível capacidade de sobrevivência dessa forma de lazer e criação artística, marcada pela permanente reinvenção criativa, baseada na teimosa insistência da juventude popular carioca em afirmar o direito a ser feliz.</span></span></span></span></p>   
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