Saúde no Complexo do Alemão: mudanças entre as edições

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Esse momento demarcou a criação de serviços de saúde pela primeira vez funcionando dentro da favela, ainda que estivessem quase todos nas entradas dos morros. No projeto delineado pelo CONSA para o programa, porém, o próprio conselho seria o gestor das unidades do Complexo do Alemão, intermediando a relação entre a Prefeitura e os profissionais atuantes na unidade. No entanto, sob a alegação de que o CONSA não era uma entidade com tempo suficiente de existência para assumir essa gestão, outra entidade acabou exercendo esse papel, a CIEZO (Conselho de Instituições de Ensino Superior da Zona Oeste). A CIEZO foi gestora dessas unidades até 2010, quando a Organização Social Viva Rio assumiu a gestão.
Esse momento demarcou a criação de serviços de saúde pela primeira vez funcionando dentro da favela, ainda que estivessem quase todos nas entradas dos morros. No projeto delineado pelo CONSA para o programa, porém, o próprio conselho seria o gestor das unidades do Complexo do Alemão, intermediando a relação entre a Prefeitura e os profissionais atuantes na unidade. No entanto, sob a alegação de que o CONSA não era uma entidade com tempo suficiente de existência para assumir essa gestão, outra entidade acabou exercendo esse papel, a CIEZO (Conselho de Instituições de Ensino Superior da Zona Oeste). A CIEZO foi gestora dessas unidades até 2010, quando a Organização Social Viva Rio assumiu a gestão.


==<span style="font-size:larger;"><span style="line-height:150%"><span style="line-height:150%"><span style="letter-spacing:.2pt">Depois de 2009...</span></span></span></span>==
== Depois de 2009... ==
<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="letter-spacing:.2pt">A partir de 2009, os antigos PSF criados no Alemão durante o governo de César Maia, foram quase totalmente desativados, dando lugar às novas Clínicas da Família. Tais alterações ocorreram no governo de Eduardo Paes, durante o programa “Saúde Presente”. Assim, em 2009, a SAMDU de Ramos foi fechada e, em 2010, houve a inauguração da UPA do Alemão, que passou a fazer o atendimento de emergências. Entre 2009 e 2012, apenas o CMS Alemão e Esperança (que funcionavam em casas diferentes, mas eram de responsabilidade da mesma gerência) foi mantido e os demais tiveram suas equipes transferidas para a Clínica da Família Zilda Arns, inaugurada em 2010. Além dela, houve ainda, em 2010, a inauguração da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), do CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) João Ferreira Filho, da Clínica da Família Zilda Arns e da Clínica da Família Rodrigo Roig. Todos esses serviços estão situados não dentro das favelas, mas na Estrada do Itararé, principal via de acesso à maior parte das comunidades que compõem o conjunto de favelas no lado leste, mais próximo aos bairros de Bonsucesso e Ramos. Do outro lado, conhecido como lado oeste do Complexo – vizinho aos bairros de Inhaúma e Engenho da Rainha –, houve a inauguração da Clínica da Família Bibi Vogel e a incorporação de parte da população nas equipes de ESF, criadas dentro da Policlínica Rodolpho Rocco, antigo PAM de Del Castilho.</span></span></span></span></span>
A partir de 2009, os antigos PSF criados no Alemão durante o governo de César Maia, foram quase totalmente desativados, dando lugar às novas Clínicas da Família. Tais alterações ocorreram no governo de Eduardo Paes, durante o programa “Saúde Presente”. Assim, em 2009, a SAMDU de Ramos foi fechada e, em 2010, houve a inauguração da UPA do Alemão, que passou a fazer o atendimento de emergências. Entre 2009 e 2012, apenas o CMS Alemão e Esperança (que funcionavam em casas diferentes, mas eram de responsabilidade da mesma gerência) foi mantido e os demais tiveram suas equipes transferidas para a Clínica da Família Zilda Arns, inaugurada em 2010. Além dela, houve ainda, em 2010, a inauguração da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), do CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) João Ferreira Filho, da Clínica da Família Zilda Arns e da Clínica da Família Rodrigo Roig. Todos esses serviços estão situados não dentro das favelas, mas na Estrada do Itararé, principal via de acesso à maior parte das comunidades que compõem o conjunto de favelas no lado leste, mais próximo aos bairros de Bonsucesso e Ramos. Do outro lado, conhecido como lado oeste do Complexo – vizinho aos bairros de Inhaúma e Engenho da Rainha –, houve a inauguração da Clínica da Família Bibi Vogel e a incorporação de parte da população nas equipes de ESF, criadas dentro da Policlínica Rodolpho Rocco, antigo PAM de Del Castilho.


<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="letter-spacing:.2pt">Já em 2014, houve a inauguração da Clínica da Família Palmeiras, instalada na estação de mesmo nome do Teleférico, na parte mais alta do Complexo, que passou a atender a população antes assistida na Policlínica Rodolpho Rocco. A mesma clínica, no entanto, foi fechada em 2016 em razão da violência no local e suas equipes foram transferidas para a CF Zilda Arns, sendo posteriormente reduzidas. Também em 2016, o CMS Alemão foi fechado e suas equipes foram transferidas para a recém-inaugurada Clínica da Família Valter Felisbino, em Ramos, e as equipes do CMS Esperança foram transferidas para a também recém-inaugurada CF Klebel de Oliveira Rocha, em Olaria. Podemos ver nesse momento um movimento de retirada dos serviços de saúde de dentro da favela para os bairros próximos ou para as grandes avenidas que margeiam o Complexo.</span></span></span></span></span>
Já em 2014, houve a inauguração da Clínica da Família Palmeiras, instalada na estação de mesmo nome do Teleférico, na parte mais alta do Complexo, que passou a atender a população antes assistida na Policlínica Rodolpho Rocco. A mesma clínica, no entanto, foi fechada em 2016 em razão da violência no local e suas equipes foram transferidas para a CF Zilda Arns, sendo posteriormente reduzidas. Também em 2016, o CMS Alemão foi fechado e suas equipes foram transferidas para a recém-inaugurada Clínica da Família Valter Felisbino, em Ramos, e as equipes do CMS Esperança foram transferidas para a também recém-inaugurada CF Klebel de Oliveira Rocha, em Olaria. Podemos ver nesse momento um movimento de retirada dos serviços de saúde de dentro da favela para os bairros próximos ou para as grandes avenidas que margeiam o Complexo.


<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="letter-spacing:.2pt">Apesar da nítida expansão dos serviços de saúde no Complexo do Alemão, relatos de profissionais, apontam para um processo de mudança nesse período, já que o aumento na cobertura, segundo eles, teria sido acompanhado de uma série de exigências burocráticas que engessaram e dificultaram o cotidiano de trabalho. Alguns pontos mencionados com relação a esse período foram: o excesso de atividades internas à unidade realizadas pelos agentes comunitários de saúde (impedindo que passassem mais tempo visitando os domicílios) e a centralização extrema do programa na figura do médico. &nbsp;</span></span></span></span><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Além disso, outra questão bastante problemática, refere-se à dificuldade de permanência dos profissionais médicos nas unidades do Complexo do Alemão, em razão das dificuldades do trabalho e desmantelamento das unidades ali existentes, além da relação distante que muitos profissionais sentem com relação ao serviço público e ao universo da favela.</span></span></span></span>
Apesar da nítida expansão dos serviços de saúde no Complexo do Alemão, relatos de profissionais, apontam para um processo de mudança nesse período, já que o aumento na cobertura, segundo eles, teria sido acompanhado de uma série de exigências burocráticas que engessaram e dificultaram o cotidiano de trabalho. Alguns pontos mencionados com relação a esse período foram: o excesso de atividades internas à unidade realizadas pelos agentes comunitários de saúde (impedindo que passassem mais tempo visitando os domicílios) e a centralização extrema do programa na figura do médico. &nbsp;</span></span></span></span><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Além disso, outra questão bastante problemática, refere-se à dificuldade de permanência dos profissionais médicos nas unidades do Complexo do Alemão, em razão das dificuldades do trabalho e desmantelamento das unidades ali existentes, além da relação distante que muitos profissionais sentem com relação ao serviço público e ao universo da favela.


<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Entre esses problemas mais específicos do atendimento à saúde, soma-se, sobretudo, a questão da violência e da ausência de saneamento básico, que seguem agravando as condições de saúde da população, mesmo após as diversas intervenções estatais ocorridas na década de 2010, tais como UPP e o PAC. Pouco antes disso, em 2006 surgiu o CDLSM – Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia composto por diversos grupos dos Complexos do Alemão. Esse coletivo, formado por instituições sociais e cidadãos consiste em propor um canal direto com as esferas governamentais (municipal, estadual e federal) para as discussões de políticas públicas, principalmente na área da saúde, serem implementadas no Complexo do Alemão e entorno, além de promover construção coletiva de ações sociais e intercâmbio entre os seus participantes.</span></span></span></span>
Entre esses problemas mais específicos do atendimento à saúde, soma-se, sobretudo, a questão da violência e da ausência de saneamento básico, que seguem agravando as condições de saúde da população, mesmo após as diversas intervenções estatais ocorridas na década de 2010, tais como UPP e o PAC. Pouco antes disso, em 2006 surgiu o CDLSM – Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia composto por diversos grupos dos Complexos do Alemão. Esse coletivo, formado por instituições sociais e cidadãos consiste em propor um canal direto com as esferas governamentais (municipal, estadual e federal) para as discussões de políticas públicas, principalmente na área da saúde, serem implementadas no Complexo do Alemão e entorno, além de promover construção coletiva de ações sociais e intercâmbio entre os seus participantes.


<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A prioridade defendida pela comunidade e consequentemente pelo CDLSM, sempre foi o saneamento básico universal com a consciência que este traduz qualidade de vida em diversas esferas. No caso do PAC favelas, por exemplo, toda a proposta construída de forma participativa de intervenção direta no projeto básico de obras não foi considerada e o acompanhamento das mesmas não foi realizado formalmente como havia sido previsto inicialmente. Com a limitação de influenciar, as instituições e cidadãos que acompanhavam esse processo de intervenção do PAC, se distanciaram. A partir desse distanciamento o CDLSM - Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia voltou a se tornar um polo de debates e propostas de exigibilidade de direitos de participação popular.</span></span></span></span>
<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">A prioridade defendida pela comunidade e consequentemente pelo CDLSM, sempre foi o saneamento básico universal com a consciência que este traduz qualidade de vida em diversas esferas. No caso do PAC favelas, por exemplo, toda a proposta construída de forma participativa de intervenção direta no projeto básico de obras não foi considerada e o acompanhamento das mesmas não foi realizado formalmente como havia sido previsto inicialmente. Com a limitação de influenciar, as instituições e cidadãos que acompanhavam esse processo de intervenção do PAC, se distanciaram. A partir desse distanciamento o CDLSM - Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia voltou a se tornar um polo de debates e propostas de exigibilidade de direitos de participação popular.</span></span></span></span>


<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Nesse período, em novembro de 2010, ocorreu a ocupação militar dos Complexos do Alemão e da Penha, seguida pela entrada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Fato que colocou o Complexo do Alemão em evidência. O poder público propôs diversas ações no território, novamente pontual e de emergência junto ao processo de ocupação. O CDLSM então divulgou uma nota pública que norteou o posicionamento de diversos coletivos.</span></span></span></span>
<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Nesse período, em novembro de 2010, ocorreu a ocupação militar dos Complexos do Alemão e da Penha, seguida pela entrada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Fato que colocou o Complexo do Alemão em evidência. O poder público propôs diversas ações no território, novamente pontual e de emergência junto ao processo de ocupação. O CDLSM então divulgou uma nota pública que norteou o posicionamento de diversos coletivos.


<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Na madrugada de 11 de dezembro de 2013, uma intensa chuva caiu sobre a cidade do Rio de Janeiro, causando um maior impacto na zona norte. Muitos moradores recorriam à ativistas e instituições locais, informando sobre os riscos de suas moradias. A defesa civil demorava a atender aos chamados e durante 16 dias esse coletivo deu suporte material e emocional aos desabrigados. Assim surgiu o Coletivo de grupos, pessoas e instituições chamado: Juntos Pelo Complexo do Alemão. Esse coletivo passou a se apresentar sempre que ocorre uma agenda mais ampla no bairro.</span></span></span></span>
Na madrugada de 11 de dezembro de 2013, uma intensa chuva caiu sobre a cidade do Rio de Janeiro, causando um maior impacto na zona norte. Muitos moradores recorriam à ativistas e instituições locais, informando sobre os riscos de suas moradias. A defesa civil demorava a atender aos chamados e durante 16 dias esse coletivo deu suporte material e emocional aos desabrigados. Assim surgiu o Coletivo de grupos, pessoas e instituições chamado: Juntos Pelo Complexo do Alemão. Esse coletivo passou a se apresentar sempre que ocorre uma agenda mais ampla no bairro.


<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="letter-spacing:.2pt">Como demonstrado acima, no Alemão, a pressão dos movimentos sociais por mais qualidade de vida e serviços de saúde, foi e ainda é intensa, já que algumas das principais demandas populares, tais como a do saneamento básico, não foram atendidas. Por outro lado, nota-se que mesmo aquelas que foram parcialmente atendidas, como a implantação do PSF ali, evidenciam cada vez mais sua insuficiência e sucateamento, além do o caráter neoliberal das políticas implementadas, impulsionadas por financiamentos de agências internacionais e adotando um modelo de terceirização para gestão, amplamente criticado por trabalhadores e moradores.</span></span></span></span></span>
Como demonstrado acima, no Alemão, a pressão dos movimentos sociais por mais qualidade de vida e serviços de saúde, foi e ainda é intensa, já que algumas das principais demandas populares, tais como a do saneamento básico, não foram atendidas. Por outro lado, nota-se que mesmo aquelas que foram parcialmente atendidas, como a implantação do PSF ali, evidenciam cada vez mais sua insuficiência e sucateamento, além do o caráter neoliberal das políticas implementadas, impulsionadas por financiamentos de agências internacionais e adotando um modelo de terceirização para gestão, amplamente criticado por trabalhadores e moradores.


== Referências bibliográficas ==
== Referências bibliográficas ==