Dona Jane (entrevista): mudanças entre as edições

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Meu pai havia comprado um sítio aqui, era tudo matagal, não entrava carro, não tinha luz, água, não tinha pista, eram atalhos.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>A minha família ainda é a última que permanece na Av. Embaixador Abelardo Bueno.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Na época dos 60, presenciamos a inauguração do autódromo em 66. Meu pai era pescador, já falecido. De carteirinha assinada. Minha mãe também era pescadora. E tinha bastante filhos. A gente vinha pescar nesta região, onde era umas casinhas de palafitas – casas sobre estacas para ficar acima da maré – onde moravam os pescadores.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Com a construção do Autódromo na década de 60, começaram a vir essas famílias para cá p</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>orque ficava muito distante para ir e vir – o transporte era muito ruim. Naquela época – a</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>gente para vir da Taquara – só tinha uma linha de ônibus que</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>à</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>s vezes trazia as pessoas até o Rio</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>c</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>entro.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Por isso muitos decidiram trazer os seus familiares. E com a construção do Riocentro também.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Aqui foi tomando forma de comunidade.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Tem uma historia de que famílias vieram da remoção da Restinga, do entorno próximo, já &nbsp;por causa de atritos anteriores com o Subprefeito Eduardo Paes.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>A pressão na Vila Autódromo se dá desde a década de 90: passamos pela Eco 92, passamos por vários prêmios das corridas no&nbsp;Brasil, e essa comunidade nunca foi causa de problemas – criminalidade, roubo, assalto. Sendo que a urbanização veio chegando aqui na área.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>A partir da década de 90 começa a pressão sobre a Vila Autódromo.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Antes aqui era mato, muita taboa, vegetação de beira de Lagoa.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>No Pan Americano muitas notícias circularam. Diziam que sairíamos daqui sem direito a nada. Que a posse não valia nada. Quem tivesse na faixa marginal na beira da Lagoa sairia sem nada. O Pan foi em 2007, mas em 2005 a pressão já existia.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Fizemos várias reuniões com a SERLA (Superintendência Estadual de Rios e Lagoas do Rio de Janeiro), o Instituto de Terra do Estado e com&nbsp; a Defensória Pública.</big></span></span>  

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Agora estamos com a ameaça por causa das Olimpíadas. E já não só a Vila Autódromo: a pressão agora é em cima de tudo – Criaram este projeto "Minha Casa Minha Vida", que deveria ser para suprir a necessidade das pessoas que pagam aluguel – deveria ser uma politica pública de moradia – porém ele não funciona assim. É política, uma ferramenta para favorecer as iniciativas privadas junto com os nossos Governos para desinfetar as áreas, e nós, considerados feios, ser jogados para longe das terras que eles têm interesse comercial.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Eles nos jogam pra longe mas sem nenhum tipo de preocupação se estas famílias têm condições de se manter nos prédios.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Nós, dos movimentos sociais, temos atenção às necessidades especiais dos deficientes físicos, os idosos – porque nesses condomínios não tem elevadores, são escadas.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>São construídos com a finalidade de desocupar as áreas de seus &nbsp;interesses.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>A Vila Autódromo é uma comunidade muito firme na luta, e trabalhou os direitos do cidadão.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Buscamos os</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>d</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>efensores</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>p</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>úblicos,&nbsp;que são nossos aliados, que estão lá para fazer uma defesa do cidadão.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Nós sempre cobramos dos defensores que nos defenda e não ao Estado</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>,</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>onde ele trabalha.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>E muitas vezes eles acabam indo contra as três esferas de Governo – que se aliaram por volta de 2009, com politicas públicas para beneficiar a iniciativa privada. E o Governo partiu a Cidade. Fazendo que o pobre, nós, somos como ferramentas apenas para ser manuseados para enriquecer o capital.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>O Governo não saneia uma comunidade porque ele sabe: daqui a pouco, o interesse naquela terra impede que gaste dinheiro público ali para sanear, se o interesse é desocupar. &nbsp;</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Lá no fundão fui participar de um seminário, e eles estão passando pelo mesmo problema. As grandes empresas estão chegando no entorno e as famílias já se sentem ameaçadas. As empresas tem apoio do Governo, que deveriam fazer politicas públicas para as famílias.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>O processo de urbanização passa ao largo dos espaços das comunidades porque a Prefeitura não tem um olhar crítico. Porque é assim: quando estávamos aqui antes, aqui não tinha nada. A</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>os poucos aí veio o Autódromo, depois veio o Hotel Monza, depois vieram algumas boates (mas nenhuma continuou)</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>,</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>depois a Empresa Construplan, veio o P</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>ó</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>lo Cine</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>. M</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>as ainda tinha áreas verdes</big></span></span><span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>,</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>a gente podia levantar de manhã e respirar ar puro.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>E por conta do Pan começaram os condomínios, e que acabou ficando abandonado e chamam de elefante branco. Poucos usados.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Nós já pedimos a DIPERJ (áudio falha) que viesse legalizar nossa água – que viessem sanear nossas ruas, que viessem criar o CEP das nossas ruas.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>A única coisa que conseguimos foi o CEP.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>A eles não interessa urbanizar: aqui é beira de Lagoa, beira de Rio, é plano, é bonito.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>E no projeto de criar mais condomínios nesta área a gente atrapalha, a gente incomoda.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Às vezes eu paro para pensar. Eu fiz parte da Escola Hemetério dos Santos, no Conselho Escola Comunidade. Eu sempre tive a preocupação em dar de mim o melhor, para o próximo, e sem esperar.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Dar o melhor é mesmo não entendendo totalmente de leis – entendendo que o respeito e a dignidade da pessoa.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>As vezes estou com uma situação difícil pessoalmente com algumas pessoas, e eu procuro ter cuidado de não levar para o campo pessoal – senão eu vou acabar comprometendo toda uma luta, às vezes decepcionando as pessoas que confiam em mim, e decepcionando a mim mesma.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Em alguns momentos eu já pensei que esta luta não era pra mim, já passei por problemas de ter que enfrentar a vaidade das pessoas, de acharem que as coisas só são boas quando elas estão na frente, e se você conseguiu alguma projeção você começa a sofrer ataques.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Passei por isso na Escola.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Eu nunca gostei de construir nada sozinha. Até esta entrevista, eu gostaria de dividir, com mais duas ou três pessoas, para dividir o direito de voz.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Aprendi algo muito importante na minha vida: é chamar outras pessoas, algumas que sequer se percebe com qualidades, mas eu quero que se apresentem, a fortaleza se dá em qualidade.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Nesta escola eu sofri consequências pois eu tinha uma qualidade grande com os professores e alunos, e isto desencadeou consequências sérias com a Diretora, por ciúmes, o que acarretou problema para minha filha.</big></span></span> <span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Mas eu não recorri a justiça, porque daí eu percebi que famílias assalariadas sofrem por não ter o direito de voz e até quando falam, porque sabem o que estão falando, são atacadas.</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>A ponto da minha filha, com 8 anos de idade me dizer: “Mãe nós pobres não temos direito à nada”</big></span></span>

<span style="font-size:small;"><span style="line-height:115%"><big>Este fato me impulsionou a alertar as pessoas a se fazer ouvir, buscar a justiça e, se não resolver, não se calar diante disto. E acusar o poder jurídico, denunciem os Governos.</big></span></span>