Rede Só Cria de Educação Popular: mudanças entre as edições

Entrevista, resultado do módulo 4 da oficina do Projeto Tamo Junto!
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(Entrevista, resultado do módulo 4 da oficina do Projeto Tamo Junto!)
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Em meio ao desmonte da educação pública no Brasil, tivemos uma grande conquista ao longo do ano, nossa primeira aprovação no vestibular. A jovem Korê, pertencente à nação Canela, originária do estado do Maranhão, quis resgatar a cultura de sua etnia na Universidade Federal, passando para Educação do Campo na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)<ref>https://noticiapreta.com.br/estudante-indigena-do-pre-vestibular-popular-so-cria-da-favela-da-rocinha-ingressa-na-faculdade/</ref><ref>https://www.brasildefato.com.br/2019/07/26/no-rio-jovem-indigena-quer-resgatar-cultura-da-etnia-canela-na-universidade-federal/?fbclid=IwAR3fWCmm-OIKU3eS2kYvPTEZKBl0yYWdczN3KewfItTmE6vWrWtEjcaJQrU</ref><ref>Pré-Vestibular 'Só Cria' da Rocinha, Homenageado na ALERJ, Tem a Primeira Aluna Aprovada: A Indígena Korê Canela</ref>. Um grande feito para o projeto, demarcando que não falarão mais por nós e que, com nossos corpos e vivências, ocuparemos todos os espaços que historicamente nos foi negado, incluindo a Universidade Pública.
Em meio ao desmonte da educação pública no Brasil, tivemos uma grande conquista ao longo do ano, nossa primeira aprovação no vestibular. A jovem Korê, pertencente à nação Canela, originária do estado do Maranhão, quis resgatar a cultura de sua etnia na Universidade Federal, passando para Educação do Campo na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)<ref>https://noticiapreta.com.br/estudante-indigena-do-pre-vestibular-popular-so-cria-da-favela-da-rocinha-ingressa-na-faculdade/</ref><ref>https://www.brasildefato.com.br/2019/07/26/no-rio-jovem-indigena-quer-resgatar-cultura-da-etnia-canela-na-universidade-federal/?fbclid=IwAR3fWCmm-OIKU3eS2kYvPTEZKBl0yYWdczN3KewfItTmE6vWrWtEjcaJQrU</ref><ref>Pré-Vestibular 'Só Cria' da Rocinha, Homenageado na ALERJ, Tem a Primeira Aluna Aprovada: A Indígena Korê Canela</ref>. Um grande feito para o projeto, demarcando que não falarão mais por nós e que, com nossos corpos e vivências, ocuparemos todos os espaços que historicamente nos foi negado, incluindo a Universidade Pública.


== Entrevista com uma Ex-estudante Aprovada no UERJ ==
O Só Cria é uma Rede de Educação Popular que nasceu em 2019, na Rocinha, a partir da necessidade de fortalecer a luta por uma educação de qualidade para todos e pela democratização do acesso ao ensino superior. Como todo movimento social, contamos com uma rede de apoio que fortalece nosso cotidiano de lutas. Nesse sentido, um  dos incentivos mais importantes que tivemos nos últimos meses foi através do Projeto Tamo Junto!, organizado pelo Dicionário de Favelas Marielle Franco, que realizou oficinas de capacitação, com ajuda financeira, para diversos movimentos sociais organizados em favelas do Rio de Janeiro com a finalidade de estimular o trabalho desses movimentos em seus territórios. Essa entrevista é resultado do último módulo da oficina, que foi uma capacitação sobre tipos de entrevistas e coleta e análise de dados.
Com o objetivo de entender mais profundamente o papel do Só Cria na vida dos nossos estudantes, dentro do contexto de pandemia da covid-19, entrevistamos uma ex-estudante, que aqui chamaremos ficticiamente de C para preservar sua identidade e privacidade, que aprovada no Vestibular da UERJ em 2021, no curso de Serviço Social. A temática da entrevista está relacionada com a chegada dessa crise sanitária  no Brasil, pois apesar de todas as dificuldades impostas, principalmente no setor da educação, nós elaboramos um plano de ensino remoto para continuar nossos trabalhos. Porém, os desafios que nós precisamos enfrentar nesse período para manter o pré-vestibular de pé foram muitos, principalmente com relação a falta de acesso a uma estrutura adequada para o ensino remoto por parte dos estudantes, bem como a crise econômica e social que prejudicou, principalmente, as parcelas mais pobres da sociedade.
Na entrevista em questão, nossas perguntas giraram em torno da importância de compreender a rotina de estudo de uma estudante matriculada no ano de 2020, levando em consideração que ela é uma aluna que concluiu o Ensino Médio em  2019, porém sua aprovação veio em meados de 2021, após sua entrada em nosso projeto. Procuramos compreender também como foi o ano de 2020 e 2021 dessa estudante com o objetivo de entender como o pré vestibular contribuiu para a sua aprovação na UERJ e o que significou o projeto Só Cria pra ela nesse processo. Por fim, buscamos entender como está sendo a nova rotina de estudante universitária, quais são seus planos e sonhos para o futuro e, levando em consideração que se trata de uma aluna politicamente ativa e que anseia a transformação social, entender como ela se movimenta/pretende se movimentar em prol das lutas sociais.
Começamos perguntando sobre a sua história. C tem 21 anos, foi nascida e criada na Rocinha. Nossa ex-aluna morava com sua tia, pois perdeu sua mãe. No ano de 2020 também teve a triste perda dessa mesma tia - que não foi de covid-19. Atualmente, ela compartilha a moradia com um primo, na própria favela e trabalha como Baby Sitter. Em seus momentos de lazer gosta de assistir séries e filmes com temáticas criminais. Como a maioria da população de favela, C estudou a vida inteira na rede pública e sabe das dificuldades desse sistema de ensino, mas, apesar disso, valoriza a escola pública e defende o ensino gratuito e de qualidade para todos. A estudante, hoje universitária, relatou como foi importante para a sua aprendizagem e crescimento o contato que teve com um professor de História, que a ajudou a abrir os olhos para as injustiças sociais e que sempre acreditou potencialidades dos estudantes da rede pública de ensino e, para ela, essa experiência foi fundamental em sua vida. “E foi no ensino médio em que comecei realmente a crescer e comecei a ver com outros olhos e pensar sobre certas questões e tal. Eu acho que o ensino médio me mudou bastante comparado ao que eu era anos atrás”, disse nossa entrevistada.
Em seguida, procuramos entender como a pandemia atingiu a vida pessoal da estudante, com perguntas relacionadas às questões de emprego e renda, sociabilidade, saúde física e mental. C nos contou que fez isolamento social, se afastou dos seus amigos e precisou parar de frequentar o terreiro onde realizava seus cultos religiosos, pois o mesmo havia fechado. Para ela foi um período difícil, pois ela tinha uma rotina de ir ao seu terreiro todos os sábados. Ela julga também que seu círculo de amizades foi fragilizado por conta do afastamento. C também teve sua vida financeira afetada pela pandemia. Ela morava com sua falecida tia e era sua dependente. Com o falecimento, C contou com a ajuda de um tio próximo, pois não conseguia um emprego. Com relação à área da saúde, ela considera que a pandemia dificultou bastante o atendimento nas unidades de saúde, apesar de, felizmente, não ter ficado sem atendimento quando necessitou, ela nos contou que o tempo de espera nos hospitais e postos de saúde aumentou bastante. Outro aspecto sinalizado por C foi a questão da sua saúde mental que, julgou ela, ficou bastante afetada, sendo necessário procurar acompanhamento psicológico para amenizar a situação: “Acho que afetou bastante, pensando que eu estou aí, né, fazendo terapia pra tentar voltar ao normal, não normal, né?! Mas pra voltar num jeito mediano. Após essa pandemia ninguém vai estar normal, 100%, né, mas estável pelo menos tem que estar.”
Conversamos com ela também questões sobre educação, sua rotina de estudos e os impactos da pandemia nessas áreas. C nos revelou que fez o ENEM em 2019, ano de sua conclusão no Ensino Médio, mas não conseguiu passar e considera que não conseguiu organizar bem seus estudos naquele ano. Perguntamos também qual foi a diferença entre 2019 e 2020 e ela nos respondeu que foi fundamental ter entrado para o Só Cria para conseguir melhorar sua rotina de estudos. “eu acho que me ajudou bastante, né? Criar uma rotina de estudo. E antes eu não tinha, né? E aí fazendo no pré-vestibular me ajudou bastante assim encontrar uma rotina”, disse ela. C assistia as aulas online, tirava dúvida com os professores, que estavam sempre à disposição, recebeu ajuda para organizar o estudo. Ela não foi aprovada em 2020 e acredita que a pandemia teve um grande peso em sua reprovação por conta das barreiras relacionadas à estrutura para realização do ensino remoto. Mas apesar disso, ela melhorou sua nota e julga que fez um bom ENEM.
Pedimos para nossa ex-estudante para falar da importância do Só Cria em todo esse processo e ela nos contou: “o Só Cria me ajudou bastante com o Google Sala de Aula e as vídeo aulas. Não só os professores mas também toda a coordenação foram importantes porque me ajudaram a me achar e saber onde é o meu lugar, que é na universidade pública e isso ninguém tira. Foi essencial os professores me ajudarem, né? Tanto na redação como nas matérias. Eu cheguei na prova bem tranquila e tal. Fiquei bem confortável fazendo a prova do ENEM. O Ricardo e a Carol disponibilizaram o tempo deles na época pra me ajudar com o livro da prova da UERJ e conversaram comigo sobre. E estar no grupo de estudos foi bem bacana. Então eu não cheguei na prova nervosa como sempre eu fazia e isso foi essencial nessa aprovação”.
Por fim, nos encaminhamos para entender melhor como está a vida de C na nova universidade, quais são seus novos planos, suas metas e sonhos. Perguntamos se ela tinha ficado feliz com a aprovação e a resposta foi: “nossa, eu chorei! Fiquei sabendo a partir de uma ligação de uma amiga. Eu estava dormindo e aí me acordaram quando tinha saído a nota. Eu fui correndo pra ver, cheia de remela, estava começando o dia. Aí a minha amiga viu a lista, ela viu que eu tinha passado. Aí eu falei, não! Não sou eu, não! É outra pessoa. Eu nem acreditei”.
Lembramos que quando recebemos a notícia da aprovação da C no pré-vestibular nós ficamos eufóricos, assim como em todas as outras aprovações. C sempre foi uma aluna muito ativa e participativa e nós estávamos torcendo bastante por ela e sua aprovação foi motivo de muita felicidade para nós do projeto. Perguntamos também como estava sua rotina de estudo na nova universidade e se ela estava conseguindo conciliar com o trabalho. C nos respondeu que as aulas ainda estão de forma remota, que está conseguindo organizar seus estudos e acompanhar as leituras, mesmo estando trabalhando. Nos disse também que, apesar do ensino a distância, já conseguiu fazer algumas amizades e não vê a hora de começar presencialmente. Sobre seus planos para o futuro, ela nos respondeu: “já quero fazer concurso público quando terminar, né, pra trabalhar na Vara da Infância e do Adolescente [...] eu acho que eu sou mais habilidosa nessa área, né, porque eu fui criança, né, então eu já estou mais acostumada nessa área fora que tem muita coisa que acontece na comunidade que é meio injustiça sabe? Então eu quero tentar mudar esse cenário.”
Nossa querida estudante foi a primeira da sua família a entrar em uma universidade pública e entende a importância de lutar para que mais pessoas negras e faveladas como ela ocupem esse espaço que por tantos anos nos foi negado. Ela sonha com um mundo melhor, com uma sociedade mais justa para as pessoas pobres, negras e de favelas e deseja contribuir com as lutas por Direitos Humanos na Rocinha.  C é uma inspiração para nós do Só Cria e nosso objetivo é justamente esse! Contribuir, através de projetos de educação popular, com a formação humana e crítica de nossos jovens e adultos das favelas, para que eles entrem nas universidades com esse desejo de mudança, para conhecer e produzir conhecimento para a favela e a partir da perspectiva favelada.


== Nossos Prêmios e Homenagens ==
== Nossos Prêmios e Homenagens ==
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