Portal Viva Favela: mudanças entre as edições

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Criado em julho de 2001, o '''Portal Viva Favela''' foi um dos primeiros veículos jornalísticos dedicados exclusivamente ao universo das favelas a surgir no ambiente da internet. Na época, a própria rede mundial de computadores ainda era incipiente no Brasil e as páginas jornalísticas engatinhavam, aspecto que contribuiu para o seu ineditismo.
  Autoria: Kita Pedroza (Cristina Pedroza de Faria)
  Autoria: Kita Pedroza (Cristina Pedroza de Faria)
[[Arquivo:Complexo do Alemão. Foto de Rodrigues Moura.jpg|ligação=link=Special:FilePath/Complexo_do_Alemão_Foto_de_Rodrigues_Moura.jpg|alt=Fotografia publicada no Portal Viva Favela, na matéria "Carateca premiada", realizada em 2002. Foto: Rodrigues Moura|Fotografia publicada no Portal Viva Favela. Matéria "Carateca premiada". Data: 2002. Foto: Rodrigues Moura|centro|commoldura]]
[[Arquivo:Complexo do Alemão. Foto de Rodrigues Moura.jpg|ligação=link=Special:FilePath/Complexo_do_Alemão_Foto_de_Rodrigues_Moura.jpg|alt=Fotografia publicada no Portal Viva Favela, na matéria "Carateca premiada", realizada em 2002. Foto: Rodrigues Moura|Fotografia publicada no Portal Viva Favela. Matéria "Carateca premiada". Data: 2002. Foto: Rodrigues Moura|esquerda|semmoldura|600x600px]]


== Sobre ==
== Trajetória ==
Criado em julho de 2001, o '''Portal Viva Favela''' foi um dos primeiros veículos jornalísticos dedicados exclusivamente ao universo das favelas a surgir no ambiente da internet. Na época, a própria rede mundial de computadores ainda era incipiente no Brasil e as páginas jornalísticas engatinhavam, aspecto que contribuiu para o seu ineditismo. Diversos componentes fizeram parte da trajetória desta mídia, que permaneceu ativa até por volta de 2016. Sua proposta, desde o início, foi a de se constituir como um veículo de informação capaz de influenciar a imprensa e modificar a cobertura estigmatizante dos espaços de favelas e periferias, limitada à violência armada e à criminalidade, historicamente predominante nos jornais do Rio de Janeiro. Resultado de reivindicações feitas por lideranças de favelas, em circunstâncias específicas ocorridas na década de 1990, o portal contou com a sua produção de notícias elaborada, sobretudo, por pessoas que viviam nestas regiões da cidade e conheciam seus lugares de moradia como ninguém. Chamados de “correspondentes comunitários”<ref name=":0">RAMALHO, Cristiane. Notícias da favela. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.</ref>, fizeram parte de uma equipe de trabalho, estruturada nos moldes de uma redação robusta de jornal, junto com jornalistas com experiência de atuação em grandes meios de informação.
Diversos componentes fizeram parte da trajetória desta mídia, que permaneceu ativa até por volta de 2016. Sua proposta, desde o início, foi a de se constituir como um veículo de informação capaz de influenciar a imprensa e modificar a cobertura estigmatizante dos espaços de favelas e periferias, limitada à [[Relatos sobre o cotidiano em meio à violência armada (depoimentos)|violência armada]] e à criminalidade, historicamente predominante nos jornais do Rio de Janeiro. Resultado de reivindicações feitas por lideranças de favelas, em circunstâncias específicas ocorridas na década de 1990, o portal teve a sua produção de notícias elaborada, sobretudo, por pessoas que viviam nestas regiões da cidade e conheciam seus lugares de moradia como ninguém. Chamados de “correspondentes comunitários”<ref name=":0">RAMALHO, Cristiane. Notícias da favela. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.</ref>, fizeram parte de uma equipe de trabalho, estruturada nos moldes de uma redação robusta de jornal, junto com jornalistas com experiência de atuação em grandes meios de informação.
[[Arquivo:Cidade de Deus. Foto de Tony Barros (2).jpg|alt=|miniaturadaimagem|Fotografia publicada no Portal Viva Favela. Matéria "A vida por um fio". Data: 11/03/2002. Autoria: Tony Barros|esquerda|500x500px]]
[[Arquivo:Cidade de Deus. Foto de Tony Barros (2).jpg|alt=|miniaturadaimagem|Fotografia publicada no Portal Viva Favela. Matéria "A vida por um fio". Data: 11/03/2002. Autoria: Tony Barros|esquerda|500x500px]]
Concretizado como um projeto de comunicação da organização sem fins lucrativos [http://Viva%20Rio Viva Rio]  (que surge em 1993), em interlocução com líderes comunitários, jornalistas e proprietários dos principais veículos de imprensa da cidade do Rio de Janeiro, o portal atravessou distintas fases, relacionadas a fatores como a (in)disponibilidade de recursos, mudanças no processo de (auto)representação das favelas, nos perfis dos comunicadores/jornalistas locais e nas coordenações do projeto, além das rápidas transformações nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). De acordo com Mayra Coelho Jucá dos Santos, editora e coordenadora do projeto entre 2010 e 2013,a estrutura inicial da redação de jornal, com cerca de 30 pessoas em seu auge, parou de funcionar, por falta de patrocínio, em 2006 e, entre 2010 e 2013, deu lugar ao “Viva Favela 2.0”, um modelo interativo, já característico do tempo das redes sociais, contando com uma rede ampla de “colaboradores” e “produtores de conteúdo” de diferentes estados do país (SANTOS, 2012, pg 107)<ref>SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Vozes ativas das favelas 2.0: autorrepresentações midiáticas numa rede de comunicadores periféricos. Dissertação (mestrado) Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História Política e Bens Culturais, 2014.</ref>. A partir de meados de 2013, o vivafavela.org.br voltou a seguir um formato com uma linha editorial pré-definida, ao que parece, até 2016.   
Concretizado como um projeto de comunicação da organização sem fins lucrativos [http://Viva%20Rio Viva Rio]  (que surge em 1993), em interlocução com líderes comunitários, jornalistas e proprietários dos principais veículos de imprensa da cidade do Rio de Janeiro, o portal atravessou distintas fases, relacionadas a fatores como a (in)disponibilidade de recursos, mudanças no processo de (auto)representação das favelas, nos perfis dos [[Rede de Agentes Comunitários de Comunicação (RACC)|comunicadores/jornalistas locais]] e nas coordenações do projeto, além das rápidas transformações nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). De acordo com Mayra Coelho Jucá dos Santos, editora e coordenadora do projeto entre 2010 e 2013,a estrutura inicial da redação de jornal, com cerca de 30 pessoas em seu auge, parou de funcionar, por falta de patrocínio, em 2006 e, entre 2010 e 2013, deu lugar ao “Viva Favela 2.0”, um modelo interativo, já característico do tempo das redes sociais, contando com uma rede ampla de “colaboradores” e “produtores de conteúdo” de diferentes estados do país (SANTOS, 2012, pg 107)<ref>SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Vozes ativas das favelas 2.0: autorrepresentações midiáticas numa rede de comunicadores periféricos. Dissertação (mestrado) Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História Política e Bens Culturais, 2014.</ref>. A partir de meados de 2013, o vivafavela.org.br voltou a seguir um formato com uma linha editorial pré-definida, ao que parece, até 2016.   
[[Arquivo:Cidade de Deus (2). Foto de Tony Barros.jpg|miniaturadaimagem|Fotografia produzida como parte de ensaio fotográfico sobre bailes funk na Cidade de Deus. Data: 2004. Autoria: Tony Barros|alt=|500x500px]]
[[Arquivo:Cidade de Deus (2). Foto de Tony Barros.jpg|miniaturadaimagem|Fotografia produzida como parte de ensaio fotográfico sobre bailes funk na Cidade de Deus. Data: 2004. Autoria: Tony Barros|alt=|500x500px]]
Hoje, o acervo desta última fase ainda pode ser acessado neste endereço: http://vivafavela.vivario.org.br/. Porém, lamentavelmente, o conteúdo da primeira fase parece ter sido perdido. Uma seleção de matérias pode ser encontrada no livro Notícias da favela, escrito por Cristiane Ramalho, que foi redatora, editora chefe e coordenadora do portal entre 2001 e 2005. Publicado pela editora Aeroplano em 2007, o livro se tornou raridade, por estar esgotado, mas talvez possa ser encontrados em sebos e bibliotecas.  
Hoje, o acervo desta última fase ainda pode ser acessado neste endereço: http://vivafavela.vivario.org.br/. Porém, lamentavelmente, o conteúdo da primeira fase parece ter sido perdido. Uma seleção de matérias pode ser encontrada no livro "Notícias da favela", escrito por Cristiane Ramalho, que foi redatora, editora chefe e coordenadora do portal entre 2001 e 2005. Publicado pela editora Aeroplano em 2007, o livro se tornou raridade, por estar esgotado, mas talvez possa ser encontrados em sebos e bibliotecas.  


Embora os formatos da mídia tenham mudado ao longo de mais de uma década, o traço principal de os textos e imagens serem elaborados por moradores de favelas e periferias, foi mantido durante o funcionamento do Viva Favela. Ao longo de todo esse tempo, alguns deles passaram a coordenar este projeto.   
Embora os formatos da mídia tenham mudado ao longo de mais de uma década, o traço principal de os textos e imagens serem elaborados por moradores de favelas e periferias, foi mantido durante o funcionamento do Viva Favela. Ao longo de todo esse tempo, alguns deles passaram a coordenar este projeto.   
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[[Arquivo:Estação Futuro- projeto paralelo ao Viva Favela que oferecia acesso livre à internet em favelas do RJ. Local- Rocinha. Autoria-foto- Kita Pedroza.jpg|alt=|miniaturadaimagem|500x500px|Estação Futuro: projeto paralelo ao Viva Favela que oferecia acesso livre à internet em favelas do RJ. Local: Rocinha. Autoria/foto: Kita Pedroza]]
[[Arquivo:Estação Futuro- projeto paralelo ao Viva Favela que oferecia acesso livre à internet em favelas do RJ. Local- Rocinha. Autoria-foto- Kita Pedroza.jpg|alt=|miniaturadaimagem|500x500px|Estação Futuro: projeto paralelo ao Viva Favela que oferecia acesso livre à internet em favelas do RJ. Local: Rocinha. Autoria/foto: Kita Pedroza]]


Como editora de fotografia do portal de 2001 a 2004, aproximadamente, participei de reuniões de elaboração da linha editorial e da arquitetura da mídia (incluindo seus sites internos), anteriores ao seu lançamento. Minha voz se soma a muitas outras presentes naqueles momentos, cada qual com a sua percepção e suas diferentes lembranças. Lembro que, nas reuniões de concepção das sessões do portal, havia sempre a presença de gente que morava em alguma favela; o ponto de partida das conversas, em geral, era buscar uma cobertura “diferente da grande mídia” relativa ao universo das favelas. Guardei comigo alguns arquivos da época; compartilho um trecho, que não tem autoria, mas foi uma orientação, talvez de um conselheiro ou conselheira:<blockquote>Jornalismo comunitário e linha editorial -
Como editora de fotografia do portal de 2001 a 2004, aproximadamente, participei de reuniões de elaboração da linha editorial e da arquitetura da mídia (incluindo seus sites internos), anteriores ao seu lançamento. Minha voz se soma a muitas outras presentes naqueles momentos, cada qual com a sua percepção e suas diferentes lembranças. Lembro que, nas reuniões de concepção das sessões do portal, havia sempre a presença de gente que morava em alguma favela; o ponto de partida das conversas, em geral, era buscar uma cobertura “diferente da grande mídia” relativa ao universo das favelas. Guardei comigo alguns arquivos da época; compartilho um trecho, que não tem autoria, mas foi uma orientação, talvez de um conselheiro ou conselheira:<blockquote>''Jornalismo comunitário e linha editorial''


Não existe jornalismo imparcial no Brasil nem em lugar nenhum. Não precisamos, nem devemos reproduzir essa falsa neutralidade ideológica na revista. Penso que a linha editorial deve ser discutida entre os futuros redatores, fotógrafos e um conselho editorial formado também por pessoas das comunidades. A linha editorial surgirá das histórias de vida dessas pessoas, que receberão orientação no sentido prático da linguagem jornalística, por exemplo, quanto à necessidade de as matérias atenderem aos interesses de um conjunto de cidadãos (de favelas, comunidades, conjuntos habitacionais etc) e não apenas individuais.    
Não existe jornalismo imparcial no Brasil nem em lugar nenhum. Não precisamos, nem devemos reproduzir essa falsa neutralidade ideológica na revista. Penso que a linha editorial deve ser discutida entre os futuros redatores, fotógrafos e um conselho editorial formado também por pessoas das comunidades. A linha editorial surgirá das histórias de vida dessas pessoas, que receberão orientação no sentido prático da linguagem jornalística, por exemplo, quanto à necessidade de as matérias atenderem aos interesses de um conjunto de cidadãos (de favelas, comunidades, conjuntos habitacionais etc) e não apenas individuais.    


Características -
''Características'' 
 
 


Sem fins lucrativos - o jornalismo não está voltado para a conquista de mercado, no sentido financeiro. Procurar aproveitar o potencial comunicativo já existente, sem impor camisas de força no trato das notícias, das formas de apuração etc, diferenciando-se assim do jornalismo tradicional.</blockquote>Levando-se em conta o fato de as representações dos lugares de habitação das classes pobres (e de seus moradores) como “problema” já serem comuns nos jornais do Rio de Janeiro (então capital federal) desde o início do século XX, vale lembrar que as reivindicações que deram origem ao portal tiveram relação com o contexto urbano específico da sua época, os anos 1990 – quando o mesmo tipo de representação ainda predominava (e predomina) nas principais mídias jornalísticas locais. Ao menos um aspecto foi particularmente relevante: naquela década, a cidade atravessou um período de recrudescimento da violência urbana que ganhou repercussão na imprensa regional e internacional, impactando o imaginário sobre as favelas, em larga escala, já que a a criminalidade era praticamente o único assunto noticiado sobre esses lugares. As '''[[Chacinas no Rio de Janeiro|chacinas]]''' da [[Chacina da Candelária - 23 de julho de 1993|Candelária]] e de [[Chacina de Vigário Geral - 29 de agosto de 1993|Vigário Geral]], como ficaram conhecidas, ocorridas num curto espaço de tempo entre uma e outra, em 1993, perduram como as maiores marcas, sangrentas, da violência armada da década. Ambas praticadas por policiais militares, deixaram 29 pessoas mortas. Outro aspecto foi o fato de a organização Viva Rio também ter nascido nesta década, fazendo parte de um movimento de aumento significativo da atuação da chamada sociedade civil organizada (as ONGs).
Sem fins lucrativos - o jornalismo não está voltado para a conquista de mercado, no sentido financeiro. Procurar aproveitar o potencial comunicativo já existente, sem impor camisas de força no trato das notícias, das formas de apuração etc, diferenciando-se assim do jornalismo tradicional.</blockquote>Levando-se em conta o fato de as representações dos lugares de habitação das classes pobres (e de seus moradores) como “problema” já serem comuns nos jornais do Rio de Janeiro (então capital federal) desde o início do século XX, vale lembrar que as reivindicações que deram origem ao portal tiveram relação com o contexto urbano específico da sua época, os anos 1990 – quando o mesmo tipo de representação ainda predominava (e predomina) nas principais mídias jornalísticas locais. Ao menos um aspecto foi particularmente relevante: naquela década, a cidade atravessou um período de recrudescimento da violência urbana que ganhou repercussão na imprensa regional e internacional, impactando o imaginário sobre as favelas, em larga escala, já que a a criminalidade era praticamente o único assunto noticiado sobre esses lugares. As '''[[Chacinas no Rio de Janeiro|chacinas]]''' da [[Chacina da Candelária - 23 de julho de 1993|Candelária]] e de [[Chacina de Vigário Geral - 29 de agosto de 1993|Vigário Geral]], como ficaram conhecidas, ocorridas num curto espaço de tempo entre uma e outra, em 1993, perduram como as maiores marcas, sangrentas, da violência armada da década. Ambas praticadas por policiais militares, deixaram 29 pessoas mortas. Outro aspecto foi o fato de a organização Viva Rio também ter nascido nesta década, fazendo parte de um movimento de aumento significativo da atuação da chamada sociedade civil organizada (as ONGs).
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[[Categoria:Temática - Cultura]]
[[Categoria:Temática - Cultura]]
[[Categoria:Temática - Favelas e Periferias]]
[[Categoria:Favela tem memória]]
[[Categoria:Favela tem memória]]
[[Categoria:Líderes comunitários]]
[[Categoria:Jornalismo comunitário]]
[[Categoria:Jornalismo comunitário]]
[[Categoria:Sociedade civil organizada]]
[[Categoria:Violência urbana]]
[[Categoria:Projeto social]]
[[Categoria:Projeto social]]
[[Categoria:Comunicação comunitária]]
[[Categoria:Comunicação comunitária]]
[[Categoria:Jornalismo de favela]]
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[[Categoria:Temática - Mídia e Comunicação]]
[[Categoria:Internet]]