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<p style="text-align: justify;">Jhonata estava no primeiro ano do Ensino Médio, tinha muitos amigos e uma namorada. Estava animado para começar, no dia 14 do mês seguinte a sua morte, um curso de informática e inglês na Praça Saens Peña. Como muitos jovens da sua idade, planejava ingressar no mercado de trabalho, conquistar independência financeira e auxiliar a família. “''Ele estava doido para começar a trabalhar e me ajudar, era um menino muito prestativo, sempre ensinei meus filhos as coisas certas e erradas. Os sonhos dele e os meus foram interrompidos''”, lamenta<br/> Janaína.<br/> A dor de perder um filho é irreparável para qualquer mãe. Quando esta morte é derivada da violência estatal, o processo para quem fica é bem mais complexo. Janaína conta que além de lidar com o seu próprio luto, precisa se manter forte para ajudar os três filhos mais novos, respectivamente 6, 9 e 11 anos, a superarem o trauma, além de todo o processo de luta por justiça e da defesa da memória de seu filho. “''A dor é dobrada porque é a dor da saudade e a tristeza dos filhos. Tento me manter forte para não mostrar a tristeza''”. Olivia Morgado Françozo, psicóloga e psicanalista do Núcleo de Apoio Psicossocial para Afetados pela Violência de Estado, explica que a maior parte das vítimas dos casos de auto de resistência são homens, negros, jovens e quem resistem são as mulheres, que seguem como sobreviventes e buscam uma rede de apoio. Para Olívia, perder alguém da família por um assassinato afeta a todos e muitas vezes surge a culpabilização pessoal. “''Elas [as mães] se perguntam aonde foi que erraram, porque não puderam dar conta e que muitos desses sofrimentos são silenciados. Acreditamos muito no trabalho terapêutico grupal, fazer entender que é uma política de Estado e não é um caso isolado, é um processo de desculpabilização''”, conta.<br/> De acordo com Olívia, o reconhecimento da responsabilidade do Estado é importante para transferir a culpa da mãe, da família. “''No dia a dia da luta, elas conseguem espaços nos jornais com a versão delas, o que é muito importante. Mas antes, nas versões ofi ciais, o que há são as versões racistas, de muita criminalização da pobreza. O racismo institucional e a não responsabilização do Estado são cargas muito pesadas para que elas carreguem''” completa.</p> | <p style="text-align: justify;">Jhonata estava no primeiro ano do Ensino Médio, tinha muitos amigos e uma namorada. Estava animado para começar, no dia 14 do mês seguinte a sua morte, um curso de informática e inglês na Praça Saens Peña. Como muitos jovens da sua idade, planejava ingressar no mercado de trabalho, conquistar independência financeira e auxiliar a família. “''Ele estava doido para começar a trabalhar e me ajudar, era um menino muito prestativo, sempre ensinei meus filhos as coisas certas e erradas. Os sonhos dele e os meus foram interrompidos''”, lamenta<br/> Janaína.<br/> A dor de perder um filho é irreparável para qualquer mãe. Quando esta morte é derivada da violência estatal, o processo para quem fica é bem mais complexo. Janaína conta que além de lidar com o seu próprio luto, precisa se manter forte para ajudar os três filhos mais novos, respectivamente 6, 9 e 11 anos, a superarem o trauma, além de todo o processo de luta por justiça e da defesa da memória de seu filho. “''A dor é dobrada porque é a dor da saudade e a tristeza dos filhos. Tento me manter forte para não mostrar a tristeza''”. Olivia Morgado Françozo, psicóloga e psicanalista do Núcleo de Apoio Psicossocial para Afetados pela Violência de Estado, explica que a maior parte das vítimas dos casos de auto de resistência são homens, negros, jovens e quem resistem são as mulheres, que seguem como sobreviventes e buscam uma rede de apoio. Para Olívia, perder alguém da família por um assassinato afeta a todos e muitas vezes surge a culpabilização pessoal. “''Elas [as mães] se perguntam aonde foi que erraram, porque não puderam dar conta e que muitos desses sofrimentos são silenciados. Acreditamos muito no trabalho terapêutico grupal, fazer entender que é uma política de Estado e não é um caso isolado, é um processo de desculpabilização''”, conta.<br/> De acordo com Olívia, o reconhecimento da responsabilidade do Estado é importante para transferir a culpa da mãe, da família. “''No dia a dia da luta, elas conseguem espaços nos jornais com a versão delas, o que é muito importante. Mas antes, nas versões ofi ciais, o que há são as versões racistas, de muita criminalização da pobreza. O racismo institucional e a não responsabilização do Estado são cargas muito pesadas para que elas carreguem''” completa.</p> | ||
== "Nossos mortos têm voz" == | == "Nossos mortos têm voz" == | ||
<p style="text-align: justify;">Segundo a psicóloga Olívia o assassinato de um ente vitimado pela violência de Estado tem um impacto muito grande na vida dessas pessoas. “''Aqui no Rio tem crescido muito o debate de como saber seguir em frente depois de um trauma, de uma violência que vai marcar suas vidas para sempre. Elas acabam criando suas próprias redes de apoio, já que o Estado não garante atendimento a essas mães e familiares''”, comenta.<br/> A Rede de Mães tem sido importante para esse fortalecimento. Para Janaína Alves, o apoio da sua família, a militância e a participação na rede foram fundamentais para reunir forças e continuar após a morte de Jhonata. “''Conheci as mães logo após o falecimento do meu filho. Elas fizeram um café da manhã para mim, que intitularam ‘Café das Fortes’. Ali me contaram um pouco da história e das lutas delas apartir da morte dos filhos e mostraram para mim que eu tinha que lutar, que naquele momento eu era a voz do meu filho, que eu não poderia desistir, que se eu não lutasse, o culpado não iria pagar e não haveria justiça''”, lembra emocionada.</p> | |||
Segundo a psicóloga Olívia o assassinato de um ente vitimado pela violência de Estado tem um impacto muito grande na vida dessas pessoas. “''Aqui no Rio tem crescido muito o debate de como saber seguir em frente depois de um trauma, de uma violência que vai marcar suas vidas para sempre. Elas acabam criando suas próprias redes de apoio, já que o Estado não garante atendimento a essas mães e familiares''”, comenta.<br/> A Rede de Mães tem sido importante para esse fortalecimento. Para Janaína Alves, o apoio da sua família, a militância e a participação na rede foram fundamentais para reunir forças e continuar após a morte de Jhonata. “''Conheci as mães logo após o falecimento do meu filho. Elas fizeram um café da manhã para mim, que intitularam ‘Café das Fortes’. Ali me contaram um pouco da história e das lutas delas apartir da morte dos filhos e mostraram para mim que eu tinha que lutar, que naquele momento eu era a voz do meu filho, que eu não poderia desistir, que se eu não lutasse, o culpado não iria pagar e não haveria justiça''”, lembra emocionada. | |||
= Agradecimentos = | = Agradecimentos = | ||
<p style="text-align: justify;">Nós, jornalistas comunitárias, diferentes das mídias comerciais e empresariais, acreditamos que temos um lado sim, que somos parciais, defendemos os direitos humanos, o direito à vida e repudiamos qualquer tipo de violação a ela. Falar sobre o tema ‘auto de resistência’ não foi e não é uma tarefa fácil. Além de lidar com entrevistas, falas, depoimentos, fotos, pesquisas dolorosas e reais, lembramos que cada um destes depoimentos fazem parte da nossa própria realidade favelada, pois é neste chão, neste território, lugar, em que ocorrem as chacinas, os<br/> assassinatos, os abatimentos. É aqui que acontece o genocídio.<br/> No Rio de Janeiro, estamos lidando com a triste estatísticas das mortes. Até agosto deste ano já foram mais de mil pessoas assassinadas em favelas e periferias com o chamado ''‘auto de resistência''’, é o pior número dos últimos 20 anos. Sabemos que essa política do abate, idolatrada e permitida pelo atual governador, vai fazer com que cada um destes casos não comecem nem mesmo as investigações e, consequentemente, os culpados não serão responsabilizados, assim como ocorre com os outros tristes casos das últimas décadas, o que faz legitimar ainda mais essa triste política racista.<br/> Com certeza, fazer esse trabalho não foi uma tarefa fácil. Foi difícil, bem triste ouvir, escrever, entender, relatar cada um destes casos e, por isso, é fundamental agradecermos aqui nesse espaço à todos e todas que nos apoiaram, que nos deram entrevistas, dicas de pesquisas, livros, números, argumentos, que nos indicaram pessoas para serem entrevistas, que leram nossas reportagens e que divulgaram o nosso material final.</p> <p style="text-align: justify;">Neste agradecimentos, em, especial, queremos lembrar do ''Fundo Brasil de Direitos Humanos'', que fez os jornalistas comunitários terem a oportunidade de construírem não só essas matérias, mas de construírem políticas na favela, na periferia, no trabalho, nas audiências públicas, nas organizações de direitos humanos, foram muitos os lugares que estas | <p style="text-align: justify;">Nós, jornalistas comunitárias, diferentes das mídias comerciais e empresariais, acreditamos que temos um lado sim, que somos parciais, defendemos os direitos humanos, o direito à vida e repudiamos qualquer tipo de violação a ela. Falar sobre o tema ‘auto de resistência’ não foi e não é uma tarefa fácil. Além de lidar com entrevistas, falas, depoimentos, fotos, pesquisas dolorosas e reais, lembramos que cada um destes depoimentos fazem parte da nossa própria realidade favelada, pois é neste chão, neste território, lugar, em que ocorrem as chacinas, os<br/> assassinatos, os abatimentos. É aqui que acontece o genocídio.<br/> No Rio de Janeiro, estamos lidando com a triste estatísticas das mortes. Até agosto deste ano já foram mais de mil pessoas assassinadas em favelas e periferias com o chamado ''‘auto de resistência''’, é o pior número dos últimos 20 anos. Sabemos que essa política do abate, idolatrada e permitida pelo atual governador, vai fazer com que cada um destes casos não comecem nem mesmo as investigações e, consequentemente, os culpados não serão responsabilizados, assim como ocorre com os outros tristes casos das últimas décadas, o que faz legitimar ainda mais essa triste política racista.<br/> Com certeza, fazer esse trabalho não foi uma tarefa fácil. Foi difícil, bem triste ouvir, escrever, entender, relatar cada um destes casos e, por isso, é fundamental agradecermos aqui nesse espaço à todos e todas que nos apoiaram, que nos deram entrevistas, dicas de pesquisas, livros, números, argumentos, que nos indicaram pessoas para serem entrevistas, que leram nossas reportagens e que divulgaram o nosso material final.</p> <p style="text-align: justify;">Neste agradecimentos, em, especial, queremos lembrar do ''Fundo Brasil de Direitos Humanos'', que fez os jornalistas comunitários terem a oportunidade de construírem não só essas matérias, mas de construírem políticas na favela, na periferia, no trabalho, nas audiências públicas, nas organizações de direitos humanos, foram muitos os lugares que estas reportagens circularam. Agradecemos também à ''Justiça Global'' por todo o apoio e orientação em relação aos relatórios e questões financeiras. E, fato é que, agradecemos a confiança do ''Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)'' que revisou, publicou e divulgou amplamente cada uma das nossas reportagens e do ''RioOnWatch'' também pela confiança para publicação das reportagens.<br/> Nossas escritas são comunitárias, assim como é o real sentido da comunicação comunitária, assim como é a vida na favela e, por isso, ficamos tão felizes com o resultado e com esta construção conjunta com essas organizações que nos apoiaram! Obrigada!</p> | ||
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