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=== Monitorar, negociar e confrontar: as (re)definições na gestão dos ilegalismos em favelas “pacificadas”. === | === Monitorar, negociar e confrontar: as (re)definições na gestão dos ilegalismos em favelas “pacificadas”. === | ||
Introdução | |||
A introdução do artigo contextualiza o momento em que Sergio Cabral Filho assumiu como governador do Rio de Janeiro em 2007, enfrentando altos índices de violência urbana, especialmente homicídios, durante os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Em resposta a esse cenário, foi iniciado o projeto de policiamento comunitário que deu origem às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), inicialmente implantadas no Santa Marta e na Cidade de Deus. A pesquisa etnográfica realizada nessas favelas é usada para analisar as mudanças nas interações entre policiais e jovens envolvidos no comércio ilegal de drogas, destacando como a proximidade física (instalação) influenciou as práticas e percepções no contexto do "legal-ilegal". O estudo visa entender as redefinições na gestão dos ilegalismos nas favelas após a implementação das UPPs, examinando as dinâmicas de poder e as consequências para os diferentes atores envolvidos ao longo do tempo. | |||
Só mais uma operação policial “normal”? | |||
A seção discute a chegada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na Cidade de Deus e no Santa Marta, em novembro de 2008, sob a perspectiva inicial dos moradores e dos jovens envolvidos no comércio de drogas. A permanência no território surpreendeu os residentes, que esperavam uma incursão policial "normal", com trocas de tiros e a posterior saída das autoridades. No entanto, desta vez, a polícia permaneceu, desafiando as expectativas e gerando um cenário de incerteza para os moradores das favelas. A falta de informações claras sobre a duração e os objetivos das UPPs levou os moradores e traficantes a iniciar um processo de investigação e adaptação à nova realidade. Traficantes e moradores buscaram entender e se adaptar à presença policial contínua, alterando suas estratégias e relações no contexto do "legal-ilegal" das favelas cariocas. | |||
O comércio varejista de drogas “pacificado” | |||
A chegada da polícia à favela causou um enfraquecimento temporário do tráfico de drogas nas áreas ocupadas. Os envolvidos no comércio de drogas ilícitas na Cidade de Deus e no Santa Marta perceberam inicialmente que retomar o controle territorial completo não era viável devido à presença contínua e ao poder armado superior dos policiais. Assim, passaram a testar novas estratégias de ação para a sobrevivência do comércio de drogas, algumas dessas mudanças foram: a venda passou a ser móvel e menos sedentária, passaram a ocultar pequenas "cargas" em locais próximos, maior uso de menores de idade para as vendas e aumento de pessoas que atuavam como "olheiros" para monitorar a presença policial. A vigilância do tráfico também se ajustou, os traficantes desenvolveram novos métodos de mapeamento para controlar a presença policial variável e intensiva nos territórios pacificados. | |||
O “bom traficante” | |||
Em resumo, após a implantação das UPPs, iniciou-se um processo de adaptação crucial para os jovens envolvidos no tráfico de drogas das favelas. Esse período foi caracterizado pela necessidade de desenvolver uma nova sensibilidade perceptiva e estratégica para navegar na nova ecologia pós-"pacificação". Tanto traficantes quanto policiais passaram a utilizar intensamente dispositivos de monitoramento para mapear os territórios, de modo a substituir a antiga lógica de domínio territorial pela vigilância constante e pela capacidade de adaptação rápida. A dinâmica de confronto direto deu lugar a outras estratégias como as de dissimulação e armadilhas, onde a capacidade de antecipação e o jogo psicológico se tornaram cruciais. Esse contexto resultou em uma intensificação da tensão psicológica para os envolvidos, que agora precisavam manter-se mentalmente alertas em um ambiente onde a polícia estava infiltrada e conhecia o território. O fuzil dá lugar a outros aparelhos de mapeamento, como rádios, celulares e localização estratégica. Diante desses novos imperativos, a figura do “bom traficante” não se reduziria mais àquela que estivesse para o confronto ou para matar, mas passou a ser requerido a habilidade de permanecer ativo e vigilante, constantemente atento ao que ocorre no entorno. Assim, o “monitorar” se torna umas das peças fundamentais para a gestão do tráfico e de suas redefinições. | |||
A rotinização da upp, o (re) fortalecimento do tráfico e a (re) formatação dos “arregos” | |||
A seção discute os primeiros anos das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. Inauguradas sem uma clara compreensão de seus resultados potenciais, as UPPs conseguiram angariar algum apoio devido à redução da violência letal e ao suporte financeiro de empresários e dos governos municipal, estadual e federal. Adicionalmente, a mídia enfatizou os sucessos do projeto, contribuindo para sua aclamação tanto entre os moradores das favelas quanto na opinião pública em geral, sendo visto como um "milagre". | |||
No entanto, mesmo nesses estágios iniciais de "pacificação", surgiram sinais de um retorno gradual da ação dos traficantes, isto é, um possível (re)fortalecimento do tráfico de drogas diante de suas novas estratégias de gestão. Rumores e relatos de moradores indicavam que traficantes estavam se rearmando e retomando o controle em certas localidades, o que gerou, à posteriori, questionamentos sobre a eficácia do modelo das UPPs. Conforme o declínio [das UPPs] avançava, surgiram opiniões divergentes quanto ao seu desenrolar. Para os moradores ocorreu um processo de flexibilização do policiamento que, segundo eles, estava ligado “a diversas modalidades de negociações financeiras entre policiais e traficantes” (p.204). Essas negociações se caracterizariam por propinas e novas formatações dos “arregos”, a partir do que seria acordado ocorreria um processo de flexibilização da ação da polícia no local. Em síntese, houveram redefinições nas negociações de “mercadorias políticas” (Misse, 2007) nesse contexto das favelas pacificadas. | |||
A “crise” das UPPs | |||
De modo paradoxal, o ápice do projeto, representado pela ocupação das favelas maiores, marcou também o início da sua fase decadente. Problemas anteriormente considerados "resolvidos" ressurgiram nas favelas pacificadas, como trocas de tiros, aumento das mortes e a retomada do tráfico sedentário, o tráfico, a partir do afrouxamento policial passa gradualmente a confrontar a ação da polícia no território. A percepção de que o projeto estava perdendo eficácia intensificou-se a partir de 2012, com a implementação das UPPs na Rocinha, Complexo do Alemão e Penha. As unidades mais antigas começaram a distribuir policiais para reforçar as novas unidades, o que resultou em dificuldades na patrulha integral das áreas. Consequentemente, os traficantes cessaram de se ocultar e reassumiram seu domínio nas favelas. Dessa forma, com o aumento das trocas de tiros e mortes, os espaços anteriormente “pacificados” necessitaram de reforços policiais, o que suscitou, em certa medida, o retorno das operações. | |||
Considerações Finais | |||
As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foram implementadas no Rio de Janeiro com o propósito de reduzir os índices de homicídios e violência, em vistas de assegurar a realização de grandes eventos e atrair investimentos internacionais, especialmente para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. A implementação das UPPs exigiu uma adaptação criativa tanto por parte dos moradores quanto do tráfico de drogas, uma vez que, diferentemente das operações policiais tradicionais, caracterizadas por incursões temporárias, a presença da polícia se tornou permanente, o que alterou a dinâmica local. Em resposta, o tráfico adotou novas estratégias de gestão para continuar suas atividades, tornando-as mais discretas e móveis, a fim de evitar a detecção pela polícia. O antigo confronto direto se transformou em um jogo complexo de gato-rato, no qual tanto traficantes quanto policiais usavam diferentes tecnologias e táticas em seus exercícios. | |||
A sessão final do artigo discute as dinâmicas atuais na gestão dos ilegalismos em favelas cariocas após a inauguração das UPPs. Destaca-se a intensificação das práticas de monitoramento e vigilância por parte tanto da polícia quanto do tráfico, refletindo um cenário de tensão e suspeição constante nos territórios "pacificados". Essas dinâmicas são analisadas à luz de três modalidades principais: negociações envolvendo propinas e redes de proteção, demonstrações de poder através de confrontos armados e o uso crescente de dispositivos de vigilância para controlar os fluxos territoriais. O artigo argumenta que essas práticas são fundamentais para compreender como os ilegalismos são geridos e redefinidos, configurando campos de força complexos e variados nos diferentes momentos e territórios "pacificados". | |||
O conceito de “ilegalismos” aparece no texto para além de falhas ou lacunas na aplicação das leis, mas sim como práticas dotadas de uma lógica interna singular que opera de forma distinta e autônoma dentro de contextos sociais e políticos. A experiência das UPPs mostra que lidar com a segurança pública nas favelas requer políticas sensíveis ao contexto local, que entendam as dinâmicas sociais e econômicas desses lugares tendo em vista seus próprios mecanismos de funcionamento. | |||
=== For a war yet to end: Shootouts and the production of tranquillity in massive Rio de Janeiro === | === For a war yet to end: Shootouts and the production of tranquillity in massive Rio de Janeiro === |
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