Guerra pacificação e militarização: mudanças entre as edições

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Lançado em 2008, o artigo "Tiroteios, legibilidade e espaço urbano: Notas etnográficas de uma favela carioca", escrito pela Prof.ª Mariana Cavalcanti (IESP-UERJ) ainda compõe a atualidade e a realidade das favelas cariocas. Tomando o tiroteio como objeto de investigação e uma lente para vislumbrar rotinas, Cavalcanti explora como este fenômeno pode tecer etnografias do medo e da violência, imbuídos na violência urbana, na vida dos moradores e moradoras de favela. Da perspectiva do ordinário, a hipótese do artigo levanta como a (re)produção e a construção social do espaço da favela são atravessados por uma série de dinâmicas e rotinas impostas, majoritariamente, pela ação do tráfico, reproduzidas também pela ação de atores públicos, privados ou do terceiro setor.


Com a expansão das temáticas de segurança pública e violência urbana, sobretudo nas Ciências Sociais, o campo de estudos têm justaposto o medo, a criminalidade e a insegurança em análises sociológicas, fruindo de sua capacidade de ser produtora de novas formas sociais capazes de oferecer outros objetivos de investigação. Reconstruindo seus argumentos a partir da "virada espacial", que podem ser dividas em três momentos, cita três influências, sendo eles: i) Michel Foucault, 1967 – espaço como categoria interpretativa; ii) Pierre Bourdieu, década de 1970 – espaço como constituinte de estruturas subjetivas micro e macro; iii) Henri Lefebvre na década de 1990 – noções de “espaço ideal” (imaginação) e o espaço real (das práticas cotidianas).  
Lançado em 2008, o artigo "Tiroteios, legibilidade e espaço urbano: Notas etnográficas de uma favela carioca", escrito pela Prof.ª Mariana Cavalcanti (IESP-UERJ), ainda compõe a atualidade e a realidade das favelas cariocas. Tomando o tiroteio como objeto de investigação e uma lente para vislumbrar rotinas, Cavalcanti explora como este fenômeno pode tecer etnografias do medo e da violência, imbuídos na violência urbana, na vida dos moradores e moradoras de favela. Da perspectiva do ordinário, a hipótese do artigo levanta como a (re)produção e a construção social do espaço da favela são atravessados por uma série de dinâmicas e rotinas impostas, majoritariamente, pela ação do tráfico, reproduzidas também pela ação de atores públicos, privados ou do terceiro setor.
 
Com a expansão das temáticas de segurança pública e violência urbana, sobretudo nas Ciências Sociais, o campo de estudos têm justaposto o medo, a criminalidade e a insegurança em análises sociológicas, fruindo de sua capacidade de ser produtora de novas formas sociais capazes de oferecer outros objetivos de investigação. Reconstruindo seus argumentos a partir da "virada espacial", que podem ser dividas em três momentos, cita três influências centrais, sendo eles: i) Michel Foucault, 1967 – espaço como categoria interpretativa; ii) Pierre Bourdieu, década de 1970 – espaço como constituinte de estruturas subjetivas micro e macro; iii) Henri Lefebvre na década de 1990 – noções de espaço ideal (imaginação) e o espaço real (das práticas cotidianas).  


A partir do estudo dos espaços da cidade, Cavalcanti identifica o tiroteio como evento que torna visível o conflito que habita e constitui o espaço da favela. A eclosão de tiroteios no espaço da favela não constitui apenas um fenômeno estruturante da vida, que pode e é influenciado pela duração de tiroteios, mas uma das principais condições estruturantes de uma possível espacialidade própria que coexiste e é experimentada de formas diferentes.  
A partir do estudo dos espaços da cidade, Cavalcanti identifica o tiroteio como evento que torna visível o conflito que habita e constitui o espaço da favela. A eclosão de tiroteios no espaço da favela não constitui apenas um fenômeno estruturante da vida, que pode e é influenciado pela duração de tiroteios, mas uma das principais condições estruturantes de uma possível espacialidade própria que coexiste e é experimentada de formas diferentes.  


Neste artigo, Mariana Cavalcanti apresenta sua interlocutora Samanta, moradora de uma favela da Zona Norte carioca, a qual a autora refere-se como Bela Vista. E é precisamente nesta sessão que formula o conceito de "ler o clima", ou "leitura do clima", que nada mais é do que a temporalidade de antecipação, "onde a familiaridade tanto com o cenário físico ou material quanto com as rotinas sociais que o constituem permite que moradores tentem se antecipar a sua eclosão" (Cavalcanti, 2008 p. 43). Ainda que tradicionalmente utilizemos o "clima" para nos referimos ao tempo meteorológico, neste caso o "clima" refere-se a uma atividade constante de leitura hermenêutica, "baseada em códigos tácitos, porém compartilhados e altamente sensórios, que combinam elementos significantes visuais e sonoros, jogos de presenças e ausências, performances quase ritualizadas, os ritmos da vida cotidiana e, é claro, o fluxo constante de rumores, fofocas e informações em geral" (Cavalcanti, 2008, p. 45).
Neste artigo, a autora apresenta sua interlocutora Samanta, moradora de uma favela da Zona Norte carioca, a qual a autora refere-se como Bela Vista. E é precisamente nesta sessão que formula o conceito de "ler o clima", ou "leitura do clima", que nada mais é do que a temporalidade de antecipação, "onde a familiaridade tanto com o cenário físico ou material quanto com as rotinas sociais que o constituem permite que moradores tentem se antecipar a sua eclosão" (Cavalcanti, 2008 p. 43). Ainda que tradicionalmente utilizemos o "clima" para nos referimos ao tempo meteorológico, neste caso o "clima" refere-se a uma atividade constante de leitura hermenêutica, "baseada em códigos tácitos, porém compartilhados e altamente sensórios, que combinam elementos significantes visuais e sonoros, jogos de presenças e ausências, performances quase ritualizadas, os ritmos da vida cotidiana e, é claro, o fluxo constante de rumores, fofocas e informações em geral" (Cavalcanti, 2008, p. 45).


O artigo logrou frutos, foi revisado e publicado com atualizações em uma nova versão, lançada em 2023, no The Geographical Journal. Intitulado "For a war yet to end: Shootouts and the production of tranquillity in massive Rio de Janeiro", o artigo apropria-se dos tiroteios como mais do que uma manifestação de violência ou de perigo. Apesar de sua natureza disruptiva, a depender de cada caso, os tiroteios são eventos que produzem significado, ordem e oportunidades, ao invés de ser, per se, episódios de caos e ordem.  
O artigo logrou frutos, foi revisado e publicado com atualizações em uma nova versão, lançada em 2023, no The Geographical Journal. Intitulado "For a war yet to end: Shootouts and the production of tranquillity in massive Rio de Janeiro", o artigo apropria-se dos tiroteios como mais do que uma manifestação de violência ou de perigo. Apesar de sua natureza disruptiva, a depender de cada caso, os tiroteios são eventos que produzem significado, ordem e oportunidades, ao invés de ser, per se, episódios de caos e ordem.  
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