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</ref> de 2008, constatou-se que a cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil abrangia 76% da população autodeclarada negra, ao passo que apenas 54% dos brancos eram dependentes do sistema público. Um estudo publicado em 2019<ref>Hone, T. et al. Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality: a longitudinal analysis of 5565 Brazilian municipalities. Lancet Global Health 2019 | </ref> de 2008, constatou-se que a cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil abrangia 76% da população autodeclarada negra, ao passo que apenas 54% dos brancos eram dependentes do sistema público. Um estudo publicado em 2019<ref>Hone, T. et al. Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality: a longitudinal analysis of 5565 Brazilian municipalities. Lancet Global Health 2019 | ||
</ref> avaliando os efeitos da recessão econômica e das políticas de austeridade a partir de 2012 no Brasil, evidenciou impacto significativo do subfinanciamento do SUS sobre a mortalidade geral da população negra, bem como sobre os índices de desemprego gerando uma maior dificuldade de acesso a medicamentos e maior exposição a atividades trabalhistas de risco.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">Simultaneamente ao desmonte progressivo do serviço público de saúde, observa-se um avanço quase proporcional do sistema de saúde privado, que cresce com incentivos estatais e aparta do direito à saúde uma parcela importante da população que não pode pagar por esses serviços. A desassistência mostra-se então como um mecanismo de extermínio de grupos específicos da sociedade e como parte do avanço das políticas neoliberais na organização do Estado.</span></span></span></span></span></span></p> | </ref> avaliando os efeitos da recessão econômica e das políticas de austeridade a partir de 2012 no Brasil, evidenciou impacto significativo do subfinanciamento do SUS sobre a mortalidade geral da população negra, bem como sobre os índices de desemprego gerando uma maior dificuldade de acesso a medicamentos e maior exposição a atividades trabalhistas de risco.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">Simultaneamente ao desmonte progressivo do serviço público de saúde, observa-se um avanço quase proporcional do sistema de saúde privado, que cresce com incentivos estatais e aparta do direito à saúde uma parcela importante da população que não pode pagar por esses serviços. A desassistência mostra-se então como um mecanismo de extermínio de grupos específicos da sociedade e como parte do avanço das políticas neoliberais na organização do Estado.</span></span></span></span></span></span></p> | ||
= <span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="line-height: 150%;">A experiência de adoecimento nas favelas: muito além da doença</span></span></span> = | = <span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="line-height: 150%;">A experiência de adoecimento nas favelas: muito além da doença</span></span></span> = | ||
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</ref> realizada pela Fiocruz nos anos de 2011 e 2012, que evidenciaram menor oferta de anestesia durante o parto de mulheres negras nos hospitais brasileiros. Em relatório<ref>Harzheim, Erno. Reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro - Avaliação dos primeiros três anos de Clínicas da Família.Pesquisa avaliativa sobre aspectos de implantação, estrutura, processo e resultados das Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro. Porto Alegre: OPAS. 2013 | </ref> realizada pela Fiocruz nos anos de 2011 e 2012, que evidenciaram menor oferta de anestesia durante o parto de mulheres negras nos hospitais brasileiros. Em relatório<ref>Harzheim, Erno. Reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro - Avaliação dos primeiros três anos de Clínicas da Família.Pesquisa avaliativa sobre aspectos de implantação, estrutura, processo e resultados das Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro. Porto Alegre: OPAS. 2013 | ||
</ref> da Organização Panamericana da Saúde de 2013, constatou-se ainda que o Rio de Janeiro reproduz o padrão da tripla carga de doenças (afecções agudas e condições materno-infantis, doenças crônicas e causas externas como a violência urbana e acidentes) observado em todo o país de forma proporcional ao nível de vulnerabilidade social experimentado por estas populações. Além disso, de acordo com o relatório, o acesso da população aos serviços é dificultado pela alta densidade populacional dos territórios adscritos e número insuficiente de médicos e equipes de saúde da família.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">A historiadora Beatriz Nascimento<ref>Nascimento, Maria Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: Possibilidade nos dias de destruição. Maria Beatriz Nascimento. Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018. </ref> ressalta como a morte engloba também aspectos simbólicos do sujeito constituído em comunidade. Ao afirmar que esta morte simbólica alcança o indivíduo antes mesmo da morte física, quando o faz perder a perspectiva de ser, e de afirmar-se enquanto pessoa e sujeito histórico, percebemos como o adoecimento serve ao propósito de minar a agência histórica dos sujeitos. O indivíduo que experimenta o medo da morte na doença, e sobretudo na negação do socorro e do provimento básico das suas necessidades de cuidado, entende que a sua existência não é desejada. Segundo Achille Mbembe<ref>Mbembe, Achille. Necropolítica. 2ed. São Paulo. n-1 edições, 2018 | </ref> da Organização Panamericana da Saúde de 2013, constatou-se ainda que o Rio de Janeiro reproduz o padrão da tripla carga de doenças (afecções agudas e condições materno-infantis, doenças crônicas e causas externas como a violência urbana e acidentes) observado em todo o país de forma proporcional ao nível de vulnerabilidade social experimentado por estas populações. Além disso, de acordo com o relatório, o acesso da população aos serviços é dificultado pela alta densidade populacional dos territórios adscritos e número insuficiente de médicos e equipes de saúde da família.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">A historiadora Beatriz Nascimento<ref>Nascimento, Maria Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: Possibilidade nos dias de destruição. Maria Beatriz Nascimento. Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018. </ref> ressalta como a morte engloba também aspectos simbólicos do sujeito constituído em comunidade. Ao afirmar que esta morte simbólica alcança o indivíduo antes mesmo da morte física, quando o faz perder a perspectiva de ser, e de afirmar-se enquanto pessoa e sujeito histórico, percebemos como o adoecimento serve ao propósito de minar a agência histórica dos sujeitos. O indivíduo que experimenta o medo da morte na doença, e sobretudo na negação do socorro e do provimento básico das suas necessidades de cuidado, entende que a sua existência não é desejada. Segundo Achille Mbembe<ref>Mbembe, Achille. Necropolítica. 2ed. São Paulo. n-1 edições, 2018 | ||
</ref> a política, muito mais do que o império da razão em eterno movimento dialético, é a diferença colocada em prática. Ou seja, a política se molda através das relações de inimizade e da exceção, que fazem emergir num outro, indesejável, a figura de um inimigo fictício. Nesta situação, a vida é tomada de refém pela ideia da morte, sempre à espreita. Segundo o filósofo Georges Bataille, conforme cita Mbembe, a vida passa a existir apenas em movimentos paroxísticos de troca com a morte. As experiências de adoecimento para a pessoa favelada revelariam então uma outra dimensão dialética, que se expressa através de um “mundo da medicina” omisso e que por meio da desassistência progressiva do estado rompe com os limites da morte. A favela se reconfigura como um território anômalo, onde a lógica da plantation colonial impera, em oposição ao conjunto da cidade. Cabe ressaltar como, de acordo com Marielle Franco<ref>Franco, Marielle. UPP A REDUÇÃO DA FAVELA EM TRÊS LETRAS: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro - São Paulo: n-1 edições, 2018.</ref> em “UPP: A redução da favela a três letras. Uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro”, o próprio controle da saúde coletiva e individual da população favelada, propicia o enquadramento do “anormal” e reforça o apartheid social.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"> </p> | </ref> a política, muito mais do que o império da razão em eterno movimento dialético, é a diferença colocada em prática. Ou seja, a política se molda através das relações de inimizade e da exceção, que fazem emergir num outro, indesejável, a figura de um inimigo fictício. Nesta situação, a vida é tomada de refém pela ideia da morte, sempre à espreita. Segundo o filósofo Georges Bataille, conforme cita Mbembe, a vida passa a existir apenas em movimentos paroxísticos de troca com a morte. As experiências de adoecimento para a pessoa favelada revelariam então uma outra dimensão dialética, que se expressa através de um “mundo da medicina” omisso e que por meio da desassistência progressiva do estado rompe com os limites da morte. A favela se reconfigura como um território anômalo, onde a lógica da plantation colonial impera, em oposição ao conjunto da cidade. Cabe ressaltar como, de acordo com Marielle Franco<ref>Franco, Marielle. UPP A REDUÇÃO DA FAVELA EM TRÊS LETRAS: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro - São Paulo: n-1 edições, 2018.</ref> em “UPP: A redução da favela a três letras. Uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro”, o próprio controle da saúde coletiva e individual da população favelada, propicia o enquadramento do “anormal” e reforça o apartheid social.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"> </p> | ||
= O Estado Necropolítico e a negação do direito à saúde = | = O Estado Necropolítico e a negação do direito à saúde = | ||
<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">O Estado nacionalista, segundo o jurista e filósofo brasileiro Silvio Almeida<ref>Almeida, Silvio Luiz de. Racismo estrutural.--São Paulo: Sueli Carneiro;Pólen, 2019. | <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">O Estado nacionalista, segundo o jurista e filósofo brasileiro Silvio Almeida<ref>Almeida, Silvio Luiz de. Racismo estrutural.--São Paulo: Sueli Carneiro;Pólen, 2019. | ||
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= Referências Bibliográficas = | = Referências Bibliográficas = | ||
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