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No caso das cidades brasileiras, o conceito ampliado de gentrificação permitiu identificar que diversas experiências de elitização de territórios populares se dão em maior medida no padrão de lazer, turismo e entretenimento, do que no padrão residencial. Os projetos de renovação urbana parecem atrair novos empreendedores, em geral de fora das localidades, e uma população de classe média para consumir bens e serviços que passavam a ser ofertados, e nem tanto para estabelecer residência<ref>SIQUEIRA. Marina Toneli. Entre o fundamental e o contingente: dimensões da gentrificação contemporânea nas operações urbanas em São Paulo. Cadernos Metrópoles, São Paulo, v. 16, n. 32, pp. 391-415, nov. 2014. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2014-3201. | No caso das cidades brasileiras, o conceito ampliado de gentrificação permitiu identificar que diversas experiências de elitização de territórios populares se dão em maior medida no padrão de lazer, turismo e entretenimento, do que no padrão residencial. Os projetos de renovação urbana parecem atrair novos empreendedores, em geral de fora das localidades, e uma população de classe média para consumir bens e serviços que passavam a ser ofertados, e nem tanto para estabelecer residência<ref>SIQUEIRA. Marina Toneli. Entre o fundamental e o contingente: dimensões da gentrificação contemporânea nas operações urbanas em São Paulo. Cadernos Metrópoles, São Paulo, v. 16, n. 32, pp. 391-415, nov. 2014. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2014-3201. | ||
NOVAES, Patricia Ramos. A Gentrificação Periférica na Cidade do Rio de Janeiro: um estudo sobre as favelas Babilônia, Chapéu Mangueira, Vidigal e Santa Marta. Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ, 2018.</ref> . Além disso, em muitos casos, essas experiências de gentrificação estariam atreladas à ação direta do Estado ao direcionar investimentos públicos para determinadas áreas da cidade em detrimento de outras, modificando legislações a favor do mercado e, em alguns casos, promovendo remoções das classes populares de áreas em processo de renovação urbana. | NOVAES, Patricia Ramos. A Gentrificação Periférica na Cidade do Rio de Janeiro: um estudo sobre as favelas Babilônia, Chapéu Mangueira, Vidigal e Santa Marta. Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ, 2018.</ref> . Além disso, em muitos casos, essas experiências de gentrificação estariam atreladas à ação direta do Estado ao direcionar investimentos públicos para determinadas áreas da cidade em detrimento de outras, modificando legislações a favor do mercado e, em alguns casos, promovendo [[Remoções - O resultado da gentrificação na favela (documentário)|remoções]] das classes populares de áreas em processo de renovação urbana. | ||
A discussão sobre o fenômeno da gentrificação em favelas cariocas iniciou no processo de reestruturações urbanas na cidade, no contexto da realização dos megaeventos esportivos da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. As favelas receberam um tripé de intervenções públicas, instrumentalizadas pelo discurso da “integração” à cidade como garantia de direitos. Esse tripé foi formado pela implementação das seguintes políticas: i) segurança pública, através do programa de unidade de polícia pacificadora -UPP; ii) urbanização, essencialmente os programas PAC-Favelas e Morar Carioca, envolvendo melhorias e instalação de equipamentos públicos; e iii) disseminação de um ideário | A discussão sobre o fenômeno da gentrificação em favelas cariocas iniciou no processo de reestruturações urbanas na cidade, no contexto da realização dos megaeventos esportivos da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. As favelas receberam um tripé de intervenções públicas, instrumentalizadas pelo discurso da “integração” à cidade como garantia de direitos. Esse tripé foi formado pela implementação das seguintes políticas: i) segurança pública, através do programa de unidade de polícia pacificadora -UPP; ii) urbanização, essencialmente os programas PAC-Favelas e Morar Carioca, envolvendo melhorias e instalação de equipamentos públicos; e iii) disseminação de um ideário empreendedor, que estimulou a formalização de serviços já existentes e a abertura de novos, porém com padrão diferenciado e voltado a um público de classe média. Além da legalização e consequente pagamento pelos inúmeros serviços antes acessados de maneira "informal", foram observados estímulo ao microcrédito e ao pagamento de impostos comerciais. | ||
Alguns estudos apontam que os impactos dessas intervenções nas favelas do Rio de Janeiro, parecem ter gerado processos de gentrificação, em especial nas favelas localizadas na zona sul, área mais nobre da cidade. Vale destacar que a zona sul se configurou como a principal área de desenvolvimento econômico da cidade já no início do século XX e até os dias de hoje é a área mais valorizada e turística da cidade, possuindo importantes subcentros comerciais e de serviços. No entanto, desde o contexto de sua formação, muitas favelas se consolidaram na região. | Alguns estudos apontam que os impactos dessas intervenções nas favelas do Rio de Janeiro, parecem ter gerado processos de gentrificação, em especial nas favelas localizadas na zona sul, área mais nobre da cidade. Vale destacar que a zona sul se configurou como a principal área de desenvolvimento econômico da cidade já no início do século XX e até os dias de hoje é a área mais valorizada e turística da cidade, possuindo importantes subcentros comerciais e de serviços. No entanto, desde o contexto de sua formação, muitas favelas se consolidaram na região. | ||
De fato as favelas da zona sul, em geral, são aquelas que possuem vistas mais atraentes, tornando-as especiais pela sua localização e mais vulneráveis a sofrer processos de gentrificação. Como exemplos, destacam-se os efeitos das intervenções públicas acima mencionadas nas nas favelas Babilônia e Chapéu Mangueira, localizadas no morro Babilônia, no bairro do Leme, e da favela Vidigal, localizada entre os elitizados bairros Leblon e São Conrado. | De fato as favelas da zona sul, em geral, são aquelas que possuem vistas mais atraentes, tornando-as especiais pela sua localização e mais vulneráveis a sofrer processos de gentrificação. Como exemplos, destacam-se os efeitos das intervenções públicas acima mencionadas nas nas favelas Babilônia e Chapéu Mangueira, localizadas no [[Morro da Babilônia|morro Babilônia]], no bairro do Leme, e da favela [[Vidigal (bairro)|Vidigal]], localizada entre os elitizados bairros Leblon e São Conrado. | ||
Pesquisas apontam para especulação imobiliária feita pelos agentes do mercado imobiliário local que gerou a elevação do valor de venda e aluguel de | Pesquisas apontam para especulação imobiliária feita pelos agentes do mercado imobiliário local que gerou a elevação do valor de venda e aluguel de imóveis nessas favelas. Aliado a isso a formalização de serviços, antes acessados de forma informal, aumentou drasticamente o custo de vida nesses territórios, levando a saída de moradores para outras áreas da cidade ou mesmo para outras áreas da favela com piores condições de infraestrutura e habitabilidade. | ||
Além disso, pesquisas apontam mudanças no padrão do comércio e serviços, no perfil da população que circula e consome estes serviços. Observou-se, também, que os espaços onde antes ocorriam os bailes funk passam a ser ocupados por outros sons, como soul music, samba e jazz e esses espaços passam a cobrar valores de ingressos inacessíveis aos moradores. | Além disso, pesquisas apontam mudanças no padrão do comércio e serviços, no perfil da população que circula e consome estes serviços. Observou-se, também, que os espaços onde antes ocorriam os bailes funk passam a ser ocupados por outros sons, como soul music, samba e jazz e esses espaços passam a cobrar valores de ingressos inacessíveis aos moradores. | ||
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No entanto, pelo menos até o momento, parece pouco provável apostar no desaparecimento das classes populares destes espaços. De fato, estas favelas nunca deixaram de se constituir em territórios populares e majoritariamente ocupadas por população afrodescendente. Nesse sentido, os processos de gentrificação das favelas parecem mais complexos e enfrentam barreiras expressas pelas contradições na atuação do poder público nos territórios favelados, as dinâmica socioespacial das cidades brasileiras, as regulações territoriais e as resistências e contestações da população. | No entanto, pelo menos até o momento, parece pouco provável apostar no desaparecimento das classes populares destes espaços. De fato, estas favelas nunca deixaram de se constituir em territórios populares e majoritariamente ocupadas por população afrodescendente. Nesse sentido, os processos de gentrificação das favelas parecem mais complexos e enfrentam barreiras expressas pelas contradições na atuação do poder público nos territórios favelados, as dinâmica socioespacial das cidades brasileiras, as regulações territoriais e as resistências e contestações da população. | ||
Uma das barreiras para a transformação do perfil popular das favelas pode ser entendido pela sua representação simbólica, associada ao lugar da carência, da pobreza e da marginalidade, conformando o que poderia ser caracterizado como estigma territorial (Wacquant, 2001). Além disso, os programas de urbanização embora tenham contribuído para melhorias em parte da infraestrutura, muitos projetos de saneamento, habitação, drenagem e etc que são necessários e urgentes foram paralisados ou se quer iniciadas. Outro fato relevante é que a partir de 2016, observa-se que o programa das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) começa a sofrer uma grave crise, com a diminuição do efetivo policial, corte de verbas e aumento da violência em várias favelas do Rio, incluindo as que estão situadas na Zona Sul. Esses fatores parecem bloquear os incipientes processos de gentrificação. | Uma das barreiras para a transformação do perfil popular das favelas pode ser entendido pela sua representação simbólica, associada ao lugar da carência, da pobreza e da marginalidade, conformando o que poderia ser caracterizado como estigma territorial (Wacquant, 2001). Além disso, os programas de urbanização embora tenham contribuído para melhorias em parte da infraestrutura, muitos projetos de saneamento, habitação, drenagem e etc. que são necessários e urgentes foram paralisados ou se quer iniciadas. Outro fato relevante é que a partir de 2016, observa-se que o programa das [[UPP: a falência de um programa para mudar a polícia|Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs)]] começa a sofrer uma grave crise, com a diminuição do efetivo policial, corte de verbas e aumento da violência em várias favelas do Rio, incluindo as que estão situadas na Zona Sul. Esses fatores parecem bloquear os incipientes processos de gentrificação. | ||
As resistências locais organizadas ou não organizadas de moradores podem ser vistas, de alguma forma, como barreiras aos experimentos de gentrificação. Proliferaram nas favelas ações políticas para questionar o aumento do custo de vida nas favelas, tais como eventos culturais, debates entre moradores e agentes públicos e privados, guiamento turístico de resistência e etc. | As resistências locais organizadas ou não organizadas de moradores podem ser vistas, de alguma forma, como barreiras aos experimentos de gentrificação. Proliferaram nas favelas ações políticas para questionar o aumento do custo de vida nas favelas, tais como eventos culturais, debates entre moradores e agentes públicos e privados, guiamento turístico de resistência e etc. |
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