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<section begin="resumo" />[[Arquivo:Expo Favela.jpg|semmoldura|left|img-fluid|border|Foto: Expo Favela 2022 (Folha/Uol)]] | <section begin="resumo" />[[Arquivo:Expo Favela.jpg|semmoldura|left|img-fluid|border|Foto: Expo Favela 2022 (Folha/Uol)]] | ||
''' | '''Empreendedorismo favelado''' ou [[Empreendedorismo em favelas|empreendedorismo de/em favelas]] popularmente designa o fenômeno do empreendedorismo social focado em iniciativas e/ou lideranças vinculadas à realidade de favelas e periferias. Tal termo tem sido crescentemente debatido no Brasil e no mundo, tanto conceitualmente, a partir de pesquisas no campo das Ciências Sociais, quanto em termos de seus desdobramentos políticos e sociais, na grande mídia e nos diversos meios de comunicação. | ||
Autoria: Fernanda Pernasetti | Autoria: Fernanda Pernasetti | ||
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Defensores dessa bandeira apostam na lógica do empreendedorismo como parte de um amplo esforço de ressignificação da imagem da favela como territórios de múltiplas potencialidades, em oposição ao senso comum que a associa à precariedade, tragédia e ausência de políticas públicas. Não obstante, os principais traços que demarcam ideologicamente as estratégias alavancadas por esses atores é a construção de espaços sobre o tema na grande mídia nacional e a realização de projetos e grandes eventos sobre empreendedorismo de favelas com o apoio de instituições financeiras, grandes empresas e investidores ligados ao grande capital. | Defensores dessa bandeira apostam na lógica do empreendedorismo como parte de um amplo esforço de ressignificação da imagem da favela como territórios de múltiplas potencialidades, em oposição ao senso comum que a associa à precariedade, tragédia e ausência de políticas públicas. Não obstante, os principais traços que demarcam ideologicamente as estratégias alavancadas por esses atores é a construção de espaços sobre o tema na grande mídia nacional e a realização de projetos e grandes eventos sobre empreendedorismo de favelas com o apoio de instituições financeiras, grandes empresas e investidores ligados ao grande capital. | ||
Preto Zezé e Edu Lyra são empreendedores de favela e grandes entusiastas do conceito que têm colunas fixas, respectivamente, na Folha de São Paulo e no Jornal O Globo. Ao mesmo tempo, diversos projetos de capacitação de empreendedores e a primeira Expo Favela (São Paulo/2022) - feira de negócios que teve empreendedores e startups de favelas como expositores - têm sido realizados a partir do financiamento de instituições como o Nubank, Grupo Carrefour Brasil, Gol, Ifood, Global Data Bank, etc. Cabe ressaltar que os dois patrocinadores master do evento realizado em 2022 estiveram anteriormente ligados a episódios graves de violência racial<ref>https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/11/20/homem-negro-e-espancado-ate-a-morte-em-supermercado-do-grupo-carrefour-em-porto-alegre.ghtml</ref> e racismo institucional<ref>https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/10/21/nubank-vai-de-queridinho-a-acusado-de-racismo-apos-fala-de-cofundadora.ghtml</ref>, que repercutiram negativamente na opinião pública e motivaram retratação e ações de mitigação de danos à imagem dessas empresas. | Preto Zezé e Edu Lyra são empreendedores de favela e grandes entusiastas do conceito que têm colunas fixas, respectivamente, na Folha de São Paulo e no Jornal O Globo. Ao mesmo tempo, diversos projetos de capacitação de empreendedores e a primeira [[Expo Favela]] (São Paulo/2022) - feira de negócios que teve empreendedores e startups de favelas como expositores - têm sido realizados a partir do financiamento de instituições como o Nubank, Grupo Carrefour Brasil, Gol, Ifood, Global Data Bank, etc. Cabe ressaltar que os dois patrocinadores master do evento realizado em 2022 estiveram anteriormente ligados a episódios graves de violência racial<ref>https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/11/20/homem-negro-e-espancado-ate-a-morte-em-supermercado-do-grupo-carrefour-em-porto-alegre.ghtml</ref> e racismo institucional<ref>https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/10/21/nubank-vai-de-queridinho-a-acusado-de-racismo-apos-fala-de-cofundadora.ghtml</ref>, que repercutiram negativamente na opinião pública e motivaram retratação e ações de mitigação de danos à imagem dessas empresas. | ||
Não obstante, na perspectiva de grupos de empreendedores de favela, que concebem e dinamizam essa rede em ascensão no cenário nacional, o apoio do setor privado ao empreendedorismo favelado é uma grande oportunidade de visibilizar as diversas iniciativas locais e colocá-las em contato com investidores do asfalto, visando superar o estigma da “carência”:<blockquote>“A maior parte dos 17,1 milhões de moradores de favela no Brasil tem, tinha ou quer ter um negócio. Isso é o que apontou uma pesquisa do Data Favela que foi divulgada nesta sexta-feira, 15, na primeira edição da Expo Favela (...) A pesquisa demonstrou que 76% dos moradores de favela se enquadram nessa característica e 50% deles se consideram empreendedores. Quatro em cada dez moradores de comunidades (41%) têm um negócio próprio. “Isso mostra uma oportunidade gigantesca”, disse Renato Meirelles, fundador do Data Favela... (Veja, 15 de abril de 2022)</blockquote>Nomes como Celso Athayde (Expo Favela e Favela Holding), Preto Zezé (Central Única das Favelas - CUFA), Edu Lyra (Gerando Falcões) e Gilson Rodrigues (G10 das Favelas e G10Bank) são algumas das lideranças da sociedade civil organizada que defendem que as favelas e periferias são espaços de empreendedorismo por excelência, uma vez que seus moradores sempre precisaram “produzir a própria subsistência”, através das mais diversas ocupações e trabalhos. <blockquote>“Engana-se quem ainda cai no lugar-comum da carência. Já provamos que somos potência em vários aspectos (...) Hoje falamos por nós mesmos, na nossa diversidade social, cultural, religiosa e política, nos representamos e manifestamos nossa existência. E, com múltiplas habilidades, produzimos um olhar sobre nós, sobre o mundo que nos cerca, e elaboramos nossa visão de sociedade. Rompemos a barreira do debate econômico, pois nesse feudo, só "especialistas" falavam, mesmo com a favela gerando R$ 120 bilhões em poder de consumo, riqueza, por sua força de trabalho (...)” (Preto Zezé, “O encontro de dois Brasis”, Folha de São Paulo, 2 de abril de 2022)</blockquote> | Não obstante, na perspectiva de grupos de empreendedores de favela, que concebem e dinamizam essa rede em ascensão no cenário nacional, o apoio do setor privado ao empreendedorismo favelado é uma grande oportunidade de visibilizar as diversas iniciativas locais e colocá-las em contato com investidores do asfalto, visando superar o estigma da “carência”:<blockquote>“A maior parte dos 17,1 milhões de moradores de favela no Brasil tem, tinha ou quer ter um negócio. Isso é o que apontou uma pesquisa do Data Favela que foi divulgada nesta sexta-feira, 15, na primeira edição da Expo Favela (...) A pesquisa demonstrou que 76% dos moradores de favela se enquadram nessa característica e 50% deles se consideram empreendedores. Quatro em cada dez moradores de comunidades (41%) têm um negócio próprio. “Isso mostra uma oportunidade gigantesca”, disse Renato Meirelles, fundador do [[Data Favela]]... (Veja, 15 de abril de 2022)</blockquote>Nomes como Celso Athayde (Expo Favela e Favela Holding), Preto Zezé ([[Central Única das Favelas (CUFA)|Central Única das Favelas - CUFA]]), Edu Lyra (Gerando Falcões) e Gilson Rodrigues ([[G10 das Favelas]] e G10Bank) são algumas das lideranças da sociedade civil organizada que defendem que as favelas e periferias são espaços de empreendedorismo por excelência, uma vez que seus moradores sempre precisaram “produzir a própria subsistência”, através das mais diversas ocupações e trabalhos. <blockquote>“Engana-se quem ainda cai no lugar-comum da carência. Já provamos que somos potência em vários aspectos (...) Hoje falamos por nós mesmos, na nossa diversidade social, cultural, religiosa e política, nos representamos e manifestamos nossa existência. E, com múltiplas habilidades, produzimos um olhar sobre nós, sobre o mundo que nos cerca, e elaboramos nossa visão de sociedade. Rompemos a barreira do debate econômico, pois nesse feudo, só "especialistas" falavam, mesmo com a favela gerando R$ 120 bilhões em poder de consumo, riqueza, por sua força de trabalho (...)” (Preto Zezé, “O encontro de dois Brasis”, Folha de São Paulo, 2 de abril de 2022)</blockquote> | ||
== Sai a luta por direitos coletivos, entra a competição econômica == | == Sai a luta por direitos coletivos, entra a competição econômica == | ||
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== Um outro nome para “informalidade” == | == Um outro nome para “informalidade” == | ||
De fato, segundo uma das maiores referências da sociologia brasileira nos estudos de favelas e periferias, Luiz Antonio Machado da Silva (2002), a noção de empreendedorismo/empregabilidade emerge, a partir da crise dos anos 80, como um substituto do conceito de informalidade. | De fato, segundo uma das maiores referências da sociologia brasileira nos estudos de favelas e periferias, Luiz Antonio Machado da Silva (2002), a noção de empreendedorismo/empregabilidade emerge, a partir da crise dos anos 80, como um substituto do conceito de [[informalidade]]. | ||
Desde os anos 60 havia-se consolidado um debate mais ou menos estruturado em torno da ideia de informalidade, que, em linhas muito gerais, denotava o outro lado da sociedade salarial, ou seja, as dificuldades e distorções do assalariamento, muito pouco generalizado nas sociedades latino-americanas. Tendo a integração social como problemática de fundo, tal conceito do mundo do trabalho estava intrinsecamente vinculado a discussões em torno da modernização e da produção do desenvolvimento. A partir dos anos 80, no entanto, a retração econômica, a reestruturação produtiva, a terceirização e a retórica de redução do Estado que acompanharam a expansão da globalização (e a ascensão do neoliberalismo) afetaram o mundo do trabalho trazendo o desemprego para o centro da agenda política no Brasil e no mundo. | Desde os anos 60 havia-se consolidado um debate mais ou menos estruturado em torno da ideia de informalidade, que, em linhas muito gerais, denotava o outro lado da sociedade salarial, ou seja, as dificuldades e distorções do assalariamento, muito pouco generalizado nas sociedades latino-americanas. Tendo a integração social como problemática de fundo, tal conceito do mundo do trabalho estava intrinsecamente vinculado a discussões em torno da modernização e da produção do desenvolvimento. A partir dos anos 80, no entanto, a retração econômica, a reestruturação produtiva, a terceirização e a retórica de redução do Estado que acompanharam a expansão da globalização (e a ascensão do neoliberalismo) afetaram o mundo do trabalho trazendo o desemprego para o centro da agenda política no Brasil e no mundo. |