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'''Quanto mais homicídios, mais frágil a democracia''' | '''Quanto mais homicídios, mais frágil a democracia''' | ||
A violência letal, intencional e armada tem sido um dos grandes desafios políticos para as instituições democráticas no contexto atual do | A violência letal, intencional e armada tem sido um dos grandes desafios políticos para as instituições democráticas no contexto atual do Brasil urbano. Mais do que meramente um problema de [[Segurança Pública e Direitos Humanos: 100 dias de governo Witzel na Baixada Fluminense|segurança pública]], a concentração de homicídios em alguns territórios metropolitanos ajuda a localizar, no mapa brasileiro, a ação de grupos armados e o domínio que exercem sobre bairros ou conjuntos de favelas, submetendo a população local aos seus próprios interesses. Seja pela constante ameaça ou mesmo pelo uso concreto da violência, tais grupos controlam diversos tipos de negócios legais e ilegais nesses territórios, garantindo lucros elevados para a sustentação e expansão de suas atividades, corroendo a institucionalidade democrática em nível local e apelando para a flexibilização do monopólio legítimo da força pelo Estado. | ||
Essas disputas violentas pelo poder nos territórios possuem características em comum nos diversos estados do Brasil, assim como especificidades locais. Os próprios grupos podem ser mais ou menos estruturados, com ou sem comandos ou hierarquias; podem se financiar pela venda de drogas e outros tipos de atividades criminosas, bem como ter maior ou menor interface com negócios legais; podem ter participação de policiais ou funcionar como grupos paramilitares, bem como ter maior ou menor ligação com dinâmicas próprias do sistema penitenciário. | Essas disputas violentas pelo poder nos territórios possuem características em comum nos diversos estados do Brasil, assim como especificidades locais. Os próprios grupos podem ser mais ou menos estruturados, com ou sem comandos ou hierarquias; podem se financiar pela venda de drogas e outros tipos de atividades criminosas, bem como ter maior ou menor interface com negócios legais; podem ter participação de policiais ou funcionar como grupos paramilitares, bem como ter maior ou menor ligação com dinâmicas próprias do sistema penitenciário. | ||
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Nos territórios onde exercem ou disputam o poder com os rivais, porém, o resultado é parecido: esses grupos acabam impondo o silêncio forçado aos moradores, que precisam se conformar a viver rotinas de tiroteios e de corpos amanhecidos nas ruas, como se seus bairros estivessem fadados a seguir sob uma sombra eterna, inalcançados pelo Estado de direito e pela Justiça. | Nos territórios onde exercem ou disputam o poder com os rivais, porém, o resultado é parecido: esses grupos acabam impondo o silêncio forçado aos moradores, que precisam se conformar a viver rotinas de tiroteios e de corpos amanhecidos nas ruas, como se seus bairros estivessem fadados a seguir sob uma sombra eterna, inalcançados pelo Estado de direito e pela Justiça. | ||
Quando esses grupos são mais bem estruturados, como ocorre no Rio de Janeiro, tendem a funcionar como uma espécie de governo territorial ilegal, assumindo o monopólio do uso da força em seus territórios e desenvolvendo com a população uma relação ao mesmo tempo tirânica, paternalista e clientelista. Na capital fluminense, nas centenas de bairros controlados pelas facções criminosas – Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro, Amigo dos Amigos e os grupos paramilitares – o poder político tende a ser medido pela quantidade de fuzis que tais grupos têm para se defender. A rotina da cidade e do estado acaba dependendo das estratégias de ação desses grupos, com cotidianos de tiroteio ou calmaria dependendo da disputa do dia. | Quando esses grupos são mais bem estruturados, como ocorre no Rio de Janeiro, tendem a funcionar como uma espécie de governo territorial ilegal, assumindo o monopólio do uso da força em seus territórios e desenvolvendo com a população uma relação ao mesmo tempo tirânica, paternalista e clientelista. Na capital fluminense, nas centenas de bairros controlados pelas facções criminosas – [[Comando Vermelho]], [[Terceiro Comando Puro|Terceiro Comando Puro]], [[Amigo dos Amigos|Amigo dos Amigos]] e os [[Grupos paramilitares|grupos paramilitares]] – o poder político tende a ser medido pela quantidade de fuzis que tais grupos têm para se defender. A rotina da cidade e do estado acaba dependendo das estratégias de ação desses grupos, com cotidianos de tiroteio ou calmaria dependendo da disputa do dia. | ||
Nas cidades onde esses grupos são menos estruturados, a situação pode ser ainda mais dramática: as rivalidades e conflitos difusos passam a definir o cotidiano de determinados bairros. A disposição para matar e se tornar autoridade soberana no território provoca reações violentas, incentivando o surgimento de grupos rivais prontos a se antecipar e a matar antes de morrer, travando disputas que muitas vezes duram anos a fio. Essa tensão incentiva jovens a se armar e a se aliar a colegas para se defenderem, alimentando ciclos incessantes de vinganças que multiplicam as pessoas e grupos dispostos a ingressar nos conflitos. | Nas cidades onde esses grupos são menos estruturados, a situação pode ser ainda mais dramática: as rivalidades e conflitos difusos passam a definir o cotidiano de determinados bairros. A disposição para matar e se tornar autoridade soberana no território provoca reações violentas, incentivando o surgimento de grupos rivais prontos a se antecipar e a matar antes de morrer, travando disputas que muitas vezes duram anos a fio. Essa tensão incentiva jovens a se armar e a se aliar a colegas para se defenderem, alimentando ciclos incessantes de vinganças que multiplicam as pessoas e grupos dispostos a ingressar nos conflitos. | ||
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O caso de São Paulo é emblemático nesse sentido: nos anos 80 e 90, o estado estava consolidado entre os mais violentos do Brasil, com uma trajetória de praticamente quatro décadas seguidas de aumento de suas taxas de homicídios, decorrentes de conflitos entre grupos armados de jovens em bairros de sua periferia – principalmente na região metropolitana. Eram pequenos coletivos, envolvidos em longos processos de vingança autodestrutivos e suicidas. | O caso de São Paulo é emblemático nesse sentido: nos anos 80 e 90, o estado estava consolidado entre os mais violentos do Brasil, com uma trajetória de praticamente quatro décadas seguidas de aumento de suas taxas de homicídios, decorrentes de conflitos entre grupos armados de jovens em bairros de sua periferia – principalmente na região metropolitana. Eram pequenos coletivos, envolvidos em longos processos de vingança autodestrutivos e suicidas. | ||
Em 1993, o surgimento da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e sua rápida disseminação pelos presídios do estado fortaleceram nas periferias paulistas o discurso de união do crime. Com o tempo, o grupo começou a funcionar como uma agência reguladora do mercado criminal, estabelecendo protocolos e regras que ajudaram a profissionalizar uma extensa rede horizontal de criminosos, repactuando o convívio entre antigos rivais, num tipo de mediação que beneficiou os participantes dessa carreira. As rivalidades entre pequenos grupos e as vinganças estavam proibidas. | Em 1993, o surgimento da facção criminosa [[Primeiro Comando da Capital (PCC)|Primeiro Comando da Capital (PCC)]] e sua rápida disseminação pelos presídios do estado fortaleceram nas periferias paulistas o discurso de união do crime. Com o tempo, o grupo começou a funcionar como uma agência reguladora do mercado criminal, estabelecendo protocolos e regras que ajudaram a profissionalizar uma extensa rede horizontal de criminosos, repactuando o convívio entre antigos rivais, num tipo de mediação que beneficiou os participantes dessa carreira. As rivalidades entre pequenos grupos e as vinganças estavam proibidas. | ||
A mediação e as novas normas definidas pelo PCC para os integrantes da carreira criminal ajudaram a diminuir os custos dos conflitos, aumentando a previsibilidade e os lucros do negócio para todos. O maior profissionalismo permitiu ao PCC acessar os canais atacadistas de fornecimento de drogas nas fronteiras com a América do Sul, melhorando a distribuição da mercadoria para os pontos varejistas espalhados pelo Brasil. O grupo também contribuiu para acirrar a corrida armamentista nos territórios e para o aumento da distribuição de armas de fogo nesses bairros. Como resultado, ao longo dos últimos 20 anos, ao mesmo tempo em que a cena criminal de São Paulo aumentava os ganhos financeiros de seus integrantes por meio da normatização dos mercados e controle da violência, contribuía também para transformar o estado paulista no menos violento entre as 27 unidades federativas do Brasil. Por outro lado, enquanto a violência caía rapidamente em São Paulo, a rivalidade em outros mercados de drogas brasileiros se acirrava. Com mais armas, mais mercadorias e a disposição para assumir as vendas varejistas nos territórios, diversos estados – principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil – viram suas taxas de homicídio crescer, com pequenas gangues disputando, de forma violenta, o poder em favelas e bairros pobres de periferia – semelhante ao que ocorria em São Paulo nas décadas de 80 e 90. Esses grupos, assim como em São Paulo, também estavam articulados com novas gangues surgidas nos presídios de diversos estados. | A mediação e as novas normas definidas pelo PCC para os integrantes da carreira criminal ajudaram a diminuir os custos dos conflitos, aumentando a previsibilidade e os lucros do negócio para todos. O maior profissionalismo permitiu ao PCC acessar os canais atacadistas de fornecimento de drogas nas fronteiras com a América do Sul, melhorando a distribuição da mercadoria para os pontos varejistas espalhados pelo Brasil. O grupo também contribuiu para acirrar a corrida armamentista nos territórios e para o aumento da distribuição de armas de fogo nesses bairros. Como resultado, ao longo dos últimos 20 anos, ao mesmo tempo em que a cena criminal de São Paulo aumentava os ganhos financeiros de seus integrantes por meio da normatização dos mercados e controle da violência, contribuía também para transformar o estado paulista no menos violento entre as 27 unidades federativas do Brasil. Por outro lado, enquanto a violência caía rapidamente em São Paulo, a rivalidade em outros mercados de drogas brasileiros se acirrava. Com mais armas, mais mercadorias e a disposição para assumir as vendas varejistas nos territórios, diversos estados – principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil – viram suas taxas de homicídio crescer, com pequenas gangues disputando, de forma violenta, o poder em favelas e bairros pobres de periferia – semelhante ao que ocorria em São Paulo nas décadas de 80 e 90. Esses grupos, assim como em São Paulo, também estavam articulados com novas gangues surgidas nos presídios de diversos estados. |
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