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A sociologia da violência é um campo de pesquisa que, no Brasil, por inúmeros motivos, cruza com frequência com a sociologia sobre favelas, por vezes analisando o estado como algoz, por outras tomando o local em si como perigoso em decorrência dos jovens envolvidos com tráfico ou os coroas das milícias. Independente da forma como isso é angulado, a relação entre violência e favela sofre de uma dualidade na voz dos autores clássicos: de um lado, há uma historicidade que, na perspectiva deles, explica a presença da violência nesses territórios; do outro, a conexão entre tráfico, milícia e extermínio com as favelas é quase natural, novamente, na perspectivas deles. A explicação quanto a como essa relação social chamada por "violência" se constrói raramente é devidamente detalhada de modo a desnaturalizar a conexão entre tais fatores sociais. Isso pode ser dito especificamente sobre os clássicos da sociologia da violência brasileira: Alba Zaluar, Sérgio Adorno, Michel Misse, Ignácio Cano etc. A ambiguidade de suas análises ora alavanca a discussão para uma percepção atenta e crítica aos fatores que produzem violência, ora aceita como dado que a favela é o lugar onde reside o confronto, o crime e o malandro, pensando nos termos analisado por Michel Misse em sua tese. | |||
Nessa aula em particular, discutimos as obras de Michel Misse, Alba Zaluar e José Cláudio Alves, o que mais se distancia do clássico acima problematizado. Longe de ser eliminarmos da obra dele a crítica, estamos apenas reconhecendo que há, por parte do autor, uma busca mais intensa por entender a historicidade da chegada da violência urbana como a conhecemos às periferias da Baixada e uma maior compaixão pelos próprio moradores envolvidos com crime, algo que ocorre de forma volátil com Michel e de forma mais rara com Alba. Isso talvez se deva ao fato de que Alves é ele mesmo morador da região que analise e o único homem negro na bibliografia citada e também na complementar. Nenhuma das críticas diminui a contribuição dos autores às ciências sociais que analisam a construção do crime, do criminoso e da violência; todavia a relevância em por um tijolo a mais na arquitetura do nosso pensamento científico, temos de sustentar que há falhas e miopias propositais nas obras dos clássicos da sociologia da violência no Brasil, como a constante ignorância quanto ao fator racismo. | |||
Michel Misse: Misturando Marx, Weber e Foucault para construir sua linha teórica própria, o sociólogo da UFRJ desenvolve neste texto a ideia de que a violência urbana só passa a se tornar uma questão nas grandes capitais a partir da transição entre as décadas de 1950 e 1960, quando, segundo ele, o movimento social fica mais forte, o jogo do bicho ganha mais poder, as drogas viram uma questão mais presente no cotidiano, os grupos de extermínio se tornam preponderantes etc. O problema de sua análise está em inúmeros lugares: primeiro em desconsiderar como violência urbana a eterna perseguição a escravizados e ex-escravizados desde o surgimento da Guarda Real; segundo em desconsiderar todos os movimentos sociais por moradia que vinham desde o fim do século XIX, como descrito por Sidney Chauloub; por fim em não descrever de modo mais detalhado quais foram os fatores centrais para que ocorresse o que ele chama de uma "acumulação social da violência", dando a impressão de que, ao menos para o artigo, faltou reflexão sistematizada sobre o assunto. O grande avanço desse artigo, que é uma derivação de sua tese, foi a reflexão explícita sobre haver de certa forma uma acumulação social da violência; digo isso porque é, de fato, necessário fazer o esforço de pensar quais são os inúmeros fatores contabilizáveis ou não que constroem as relações sociais representadas por nós como violentas. É um apelo pela historicização e pela observação da materialidade do mundo social como passível de produzir acúmulos que geram ebulições constantes. As falhas do artigo não anulam que ele abre um caminho possível para todos nós pesquisadores possamos superá-lo de vez. | |||
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