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<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">Este “mundo da medicina”, pode englobar tanto o conhecimento biológico quanto todo o aparato burocrático estatal, usado para normatizar, regular e restringir o acesso à técnica e aos serviços de saúde. Desta maneira, as experiências de adoecimento da população favelada não se resumiriam apenas à simples significação subjetiva de sintomas clínicos, mas à experiência de uma desassistência crônica que resulta em uma elevada carga de adoecimento e da negação do acesso ao império da técnica médica fundado pela branquitude, como demonstram os dados da pesquisa Nascer no Brasil<ref>Leal MC, Gama SGN, Pereira APE, Pacheco VE, Carmo CN, Santos RV. A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cadernos de Saúde Pública 2017; | <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">Este “mundo da medicina”, pode englobar tanto o conhecimento biológico quanto todo o aparato burocrático estatal, usado para normatizar, regular e restringir o acesso à técnica e aos serviços de saúde. Desta maneira, as experiências de adoecimento da população favelada não se resumiriam apenas à simples significação subjetiva de sintomas clínicos, mas à experiência de uma desassistência crônica que resulta em uma elevada carga de adoecimento e da negação do acesso ao império da técnica médica fundado pela branquitude, como demonstram os dados da pesquisa Nascer no Brasil<ref>Leal MC, Gama SGN, Pereira APE, Pacheco VE, Carmo CN, Santos RV. A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cadernos de Saúde Pública 2017; | ||
</ref> realizada pela Fiocruz nos anos de 2011 e 2012, que evidenciaram menor oferta de anestesia durante o parto de mulheres negras nos hospitais brasileiros. Em relatório<ref>Harzheim, Erno. Reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro - Avaliação dos primeiros três anos de Clínicas da Família.Pesquisa avaliativa sobre aspectos de implantação, estrutura, processo e resultados das Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro. Porto Alegre: OPAS. 2013 | </ref> realizada pela Fiocruz nos anos de 2011 e 2012, que evidenciaram menor oferta de anestesia durante o parto de mulheres negras nos hospitais brasileiros. Em relatório<ref>Harzheim, Erno. Reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro - Avaliação dos primeiros três anos de Clínicas da Família.Pesquisa avaliativa sobre aspectos de implantação, estrutura, processo e resultados das Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro. Porto Alegre: OPAS. 2013 | ||
</ref> da Organização Panamericana da Saúde de 2013, constatou-se ainda que o Rio de Janeiro reproduz o padrão da tripla carga de doenças (afecções agudas e condições materno-infantis, doenças crônicas e causas externas como a violência urbana e acidentes) observado em todo o país de forma proporcional ao nível de vulnerabilidade social experimentado por estas populações. Além disso, de acordo com o relatório, o acesso da população aos serviços é dificultado pela alta densidade populacional dos territórios adscritos e número insuficiente de médicos e equipes de saúde da família.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">A historiadora Beatriz Nascimento<ref | </ref> da Organização Panamericana da Saúde de 2013, constatou-se ainda que o Rio de Janeiro reproduz o padrão da tripla carga de doenças (afecções agudas e condições materno-infantis, doenças crônicas e causas externas como a violência urbana e acidentes) observado em todo o país de forma proporcional ao nível de vulnerabilidade social experimentado por estas populações. Além disso, de acordo com o relatório, o acesso da população aos serviços é dificultado pela alta densidade populacional dos territórios adscritos e número insuficiente de médicos e equipes de saúde da família.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">A historiadora Beatriz Nascimento<ref>Nascimento, Maria Beatriz. Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: Possibilidade nos dias de destruição. Maria Beatriz Nascimento. Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018. </ref> ressalta como a morte engloba também aspectos simbólicos do sujeito constituído em comunidade. Ao afirmar que esta morte simbólica alcança o indivíduo antes mesmo da morte física, quando o faz perder a perspectiva de ser, e de afirmar-se enquanto pessoa e sujeito histórico, percebemos como o adoecimento serve ao propósito de minar a agência histórica dos sujeitos. O indivíduo que experimenta o medo da morte na doença, e sobretudo na negação do socorro e do provimento básico das suas necessidades de cuidado, entende que a sua existência não é desejada. Segundo Achille Mbembe<ref>Mbembe, Achille. Necropolítica. 2ed. São Paulo. n-1 edições, 2018 | ||
</ref> ressalta como a morte engloba também aspectos simbólicos do sujeito constituído em comunidade. Ao afirmar que esta morte simbólica alcança o indivíduo antes mesmo da morte física, quando o faz perder a perspectiva de ser, e de afirmar-se enquanto pessoa e sujeito histórico, percebemos como o adoecimento serve ao propósito de minar a agência histórica dos sujeitos. O indivíduo que experimenta o medo da morte na doença, e sobretudo na negação do socorro e do provimento básico das suas necessidades de cuidado, entende que a sua existência não é desejada. Segundo Achille Mbembe<ref>Mbembe, Achille. Necropolítica. 2ed. São Paulo. n-1 edições, 2018 | </ref> a política, muito mais do que o império da razão em eterno movimento dialético, é a diferença colocada em prática, ou seja, a inimizade e a exceção fazendo emergir um inimigo fictício. Nesta situação, a vida é tomada de refém pela morte, sempre à espreita. Segundo o filósofo Georges Bataille, conforme cita Mbembe, a vida passa a existir apenas em movimentos paroxísticos de troca com a morte. As experiências de adoecimento para a pessoa favelada revelariam então uma outra dimensão dialética, que se expressa através de um “mundo da medicina” omisso e que por meio da desassistência progressiva do estado rompe com os limites da morte. A favela se reconfigura como um território anômalo, onde a lógica da plantation impera, em oposição ao conjunto da cidade. Cabe ressaltar como, de acordo com Marielle Franco<ref>Franco, Marielle. UPP A REDUÇÃO DA FAVELA EM TRÊS LETRAS: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro - São Paulo: n-1 edições, 2018.</ref> em “UPP: A redução da favela a três letras. Uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro”, o próprio controle da saúde coletiva e individual da população favelada, propicia o enquadramento do “anormal” e reforça o apartheid social.</span></span></span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"> </p> | ||
</ref> a política, muito mais do que o império da razão em eterno movimento dialético, é a diferença colocada em prática, ou seja, a inimizade e a exceção fazendo emergir um inimigo fictício. Nesta situação, a vida é tomada de refém pela morte, sempre à espreita. Segundo o filósofo Georges Bataille, conforme cita Mbembe, a vida passa a existir apenas em movimentos paroxísticos de troca com a morte. As experiências de adoecimento para a pessoa favelada revelariam então uma outra dimensão dialética, que se expressa através de um “mundo da medicina” omisso e que por meio da desassistência progressiva do estado rompe com os limites da morte. A favela se reconfigura como um território anômalo, onde a lógica da plantation impera, em oposição ao conjunto da cidade. Cabe ressaltar como, de acordo com Marielle Franco<ref | |||
= O Estado Necropolítico e a negação do direito à saúde = | = O Estado Necropolítico e a negação do direito à saúde = | ||
<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">O Estado nacionalista, segundo o jurista e filósofo brasileiro Silvio Almeida<ref>Almeida, Silvio Luiz de. Racismo estrutural.--São Paulo: Sueli Carneiro;Pólen, 2019. | <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="vertical-align:baseline"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:"><span style="color:#434343">O Estado nacionalista, segundo o jurista e filósofo brasileiro Silvio Almeida<ref>Almeida, Silvio Luiz de. Racismo estrutural.--São Paulo: Sueli Carneiro;Pólen, 2019. |