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Escreva seu primeiro verbete!
(Criou página com 'Tendo sido apontada como responsável por 49% dos acessos à internet no país, em 2007, as lan houses assumiram importante papel no debate sobre inclusão digital no Brasil....') |
Sem resumo de edição |
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Fruto de uma pesquisa de doutorado realizada entre os anos de 2009 e 2013 nas | |||
favelas de Acari e Santa Marta, e publicada como livro em 2018, as reflexões deste | |||
verbete pretendem ampliar o olhar sobre as favelas cariocas e também sobre o fazer | |||
pesquisa nesses territórios. Ao pesquisar lan houses em duas favelas, tive um vasto | |||
horizonte que possibilitou inúmeras reflexões que buscarei compartilhar nessas | |||
páginas. | |||
Autora: Pâmella Passos. | Cabe destacar que os dados apresentados dizem respeito ao período no qual a | ||
pesquisa foi desenvolvida e que por isso podem não mais refletir o cenário atual desses | |||
estabelecimentos. No entanto, compreendo como atuais as questões que emergiram | |||
deste campo no qual o espaço da lan house apresentou-se como um dispositivo para | |||
pensar as práticas culturais e sociais em Acari e no Santa Marta. | |||
Nesse sentido, um dicionário cujo a temática são as favelas cariocas dialoga | |||
intensamente com as reflexões que cheguei ao concluir a pesquisa. Dentre elas, destaco | |||
inicialmente a pluralidade dos usos e apropriações dos espaços nas favelas e por isso, | |||
quero aqui compartilhar o que encontrei nas lan houses que acompanhei durante os anos | |||
de doutorado. | |||
Como caminhos norteadores desta escrita elenquei três questões a serem | |||
apresentadas: 1) A imposição da discussão sobre segurança pública e UPPs; 2) Donos | |||
de lan house e seus atendentes: um papel social a ser pensado e 3) A lan house como um | |||
ponto de encontro juvenil, espaço de educação não formal e aprendizagem. | |||
O primeiro tópico diz respeito a violência física e simbólica a que são | |||
submetidos os moradores das favelas cariocas. Seja pelo varejo do tráfico, ou pelo | |||
poder público. Em nossa pesquisa, o que encontramos foi um cotidiano militarizado no | |||
qual foi impossível estudar as lan houses e as práticas sociais e culturais que nela | |||
ocorriam sem realizar uma importante análise da segurança pública. | |||
Nossa pesquisa coincidiu com o início da implementação das Unidades de | |||
Polícia Pacificadora (UPPs). Apresentadas como um modelo que solucionaria os | |||
problemas de segurança pública da cidade, as UPPs em 2019, pouco mais de 10 anos | |||
após a instalação da primeira Unidade no morro Santa Marta, estão falidas, deixando | |||
patente as falhas deste modelo. | |||
Uma das favelas estudadas, o morro Santa Marta, foi a primeira a receber a UPP | |||
tornando-se assim uma “favela modelo”. Durante minha pesquisa, que cabe sempre | |||
ressaltar, não era sobre segurança pública, deparei-me com essa questão inúmeras vezes, | |||
percebendo os impactos concretos e cotidianos da militarização da vida. | |||
A ausência de mandado para realização das revistas é algo que permaneceu | |||
também nas favelas pacificadas, fator que foi recorrente alvo de críticas por parte dos | |||
moradores e de organizações de direitos humanos, visto que os policiais utilizavam-se | |||
do domínio do poder no território para impor sua presença. No caso do Santa Marta, | |||
após desligar o gravador em uma de nossas entrevistas, o dono da lan house, | |||
acompanhado por nossa pesquisa, contou sobre uma abordagem policial em seu | |||
estabelecimento. | |||
Segundo Wagner '''1''' nos relatou na conversa, eles queriam ganhar algum, mas ele | |||
não se intimidou e falou que sabia dos seus direitos e que, se estava errado, tudo bem, | |||
ele parava. Foi então quando um policial perguntou os valores cobrados por ele na lan | |||
house, afirmando que ele poderia ganhar mais. Wagner então informa que respondeu | |||
dizendo que não queria ganhar mais dinheiro e sim diminuir seus gastos. (Diário de | |||
Campo. Santa Marta. 1401.2011) | |||
Episódios como este também foram relatados por Freitas '''2''' , dono da lan house em | |||
Acari. O clima de constante vigia e necessidade de explicar-se era presente em ambas as | |||
lan houses que acompanhei. Ainda que envolvendo mais diretamente a questão policial | |||
e suas práticas, os episódios que acabei de relatar também possuem uma importante | |||
interface econômica em suas análises. Em geral, as irregularidades questionadas pelos | |||
agentes do estado e apresentadas pelos donos das lan houses são “contra” empresas | |||
privadas, por exemplo: concessionária de energia elétrica (Light), empresa de internet | |||
banda larga (OI) e empresas de softwares, como jogos. Resgata-se, assim, a importância | |||
de se discutir a perspectiva econômica que baliza as ações de Segurança Pública no Rio | |||
de Janeiro. | |||
Retomando então esse aspecto, apresento algumas observações em relação aos | |||
desdobramentos econômicos da implementação da Unidade de Polícia Pacificadora. | |||
Esclareço, novamente, que não se trata de um estudo apurado sobre o assunto, mas sim | |||
de análises a partir do que registrei na experiência do acompanhamento de um | |||
empreendimento econômico (lan house) no morro Santa Marta. | |||
No caso do Santa Marta, pudemos acompanhar que conjuntamente com a UPP, | |||
diversas empresas entraram na favela. Nesse contexto, o SEBRAE '''3''' ofereceu cursos de | |||
empreendedorismo para os moradores, incentivando a abertura de microempresas, | |||
apresentando possibilidades de empréstimos com baixas taxas de juros e silenciando | |||
acerca dos impactos que tal formalização poderia trazer ao orçamento da lan house. | |||
Poucos meses após a formalização de sua lan house Wagner identificava uma | |||
perda de lucro de 30% a 40 %. Tal perda não foi prevista por um estudo de viabilidade | |||
que pudesse assegurá-lo de que essa perda não afetaria suas finanças a ponto de perder | |||
clientes e inviabilizar seu funcionamento, situação que de fato ocorreu no final da | |||
pesquisa quando a lan house é fechada para abrir uma loja de roupas para a esposa de | |||
Wagner. | |||
No contexto pesquisado, as lan houses em favelas, em especial nas favelas | |||
pacificadas, enfrentavam: os entraves legislativos, o abuso policial e os impactos | |||
econômicos. Navegando contra a maré em meio a tantas adversidades, os donos de lan | |||
house e seus atendentes, por vezes familiares, continuaram investindo e prestando | |||
serviços à comunidade. | |||
De acordo com dados oferecidos pelo TIC Lan houses 2010, pesquisa feita pelo | |||
Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação | |||
(CETIC), a maior parte das lan houses são empreendimentos familiares, o que significa | |||
dizer que o dono, e por ventura atendentes, são da mesma família, não necessariamente | |||
recebendo remuneração. O que observei em minha pesquisa de campo corrobora tais | |||
dados e também revela um papel social desempenhado pelo proprietário do espaço e | |||
seus atendentes, segundo tópico que abordarei neste verbete. | |||
Como exemplo destaco o caso de Acari no qual, devido a impossibilidade de | |||
obter o serviço de internet diretamente da empresa de banda larga, já que nenhuma | |||
empresa entrava, de forma regular, dentro desta favela, Freitas foi obrigado a negociar | |||
com um amigo que morava fora de Acari, para que ele, custeado por Freitas, assinasse o | |||
serviço e ele captasse o sinal via antena que ele próprio instalou. Este arranjo | |||
tecnológico transformou a lan house de Freitas em referência visto que era conhecida | |||
por ter a internet mais rápida de Acari. | |||
Outro ponto importante é o papel desempenhado pelos atendentes das lan houses | |||
que acompanhamos. A atenção dispensada ao cliente, mesmo quando ele não solicita | |||
diretamente a ajuda, e a linguagem usada demonstram um elemento da educação | |||
popular presente nesta função. | |||
Em sua pesquisa sobre lan houses em duas favelas cariocas, Carla Barros | |||
também vislumbra o caráter educativo dos atendentes de lan house, afirmando que “são | |||
personagens-chave nos ambientes públicos de acesso à internet, intermediando o | |||
contato com o universo digital para os que não se sentem à vontade ou não sabem | |||
como circular por esse mundo.” (Barros, 2011, p.111). | |||
Os relatos apresentados pelos donos e atendentes das duas lan houses que | |||
acompanhamos em Acari e no Santa Marta nos indicam que as dúvidas apresentadas | |||
pelos usuários no cotidiano da lan house não demandavam muito conhecimento técnico, | |||
mas sim paciência e didática . Arriscamos dizer que, como alfabetizadores digitais, | |||
esses atendentes de lan house podem não dominar a gramática, no entanto, estão | |||
diariamente contribuindo para produção de novos leitores neste mundo interconectado | |||
pela internet. | |||
Outro aspecto importante trazido por Wagner e Freitas é o caráter de “tomar | |||
conta” de crianças e jovens, que tais atendentes assumem. Este papel também foi | |||
indicado por Barros (2011), em especial no que tange à possibilidade de ligação | |||
telefônica para “conferir” a presença do filho no estabelecimento. No contexto dos | |||
espaços populares, com ausência de praças e quadras e com pais que trabalham todo dia, | |||
somado à febre contemporânea, e não apenas juvenil, de acesso à internet, a lan house | |||
na favela assume um papel especial de diversão, e a nosso ver aprendizagem, com | |||
segurança para crianças e jovens. | |||
Assim como as quadras de futebol e as pracinhas significavam um território de | |||
encontro, de identidade, de troca e pertencimento, arriscamos dizer que, na conjuntura | |||
globalizada e conectada, a lan house vem também assumindo tais funções. Chegamos | |||
aqui ao último ponto que desejo destacar: a lan house como espaço multipropósito no | |||
qual há diversão, aprendizado e encontros. | |||
Sabemos que diversos jogos permitem a interação online, no entanto, o que | |||
percebi nas falas desses jovens que frequentavam as lans em Acari e no Santa Marta é | |||
que o contato virtual ou online não substitui o encontro físico, o “pescotapa” ou “pedala | |||
Robinho”, entre amigos. Aprendi que jogar sozinho não significa não estar em rede, | |||
mas não estar com a rede, como explica um dos participantes da oficina no Santa Marta. | |||
Fazendo referência aos cursos oferecidos pelo poder público, na sede de uma | |||
escola pública estadual profissionalizante, aberta na subida do morro Santa Marta, os | |||
participantes dessa oficina falam do descompasso entre o que é ensinado e as suas | |||
realidades. Mesmo achando que nossas oficinas '''4''' seriam chatas, “como os cursos da | |||
FAETEC”, eles apostaram, talvez por acontecerem no ambiente da lan house. | |||
Cabe aqui compartilhar que a última oficina feita no Santa Marta, devido a | |||
imprevistos, foi realizada às 10h da manhã de um domingo de sol e com jogo da seleção | |||
brasileira à tarde. Mesmo neste cenário, a presença foi massiva, estavam eles lá, | |||
desejosos por conhecer algo diferente, de aprender, desde que a partir das suas | |||
demandas, coisa que infelizmente a instituição escolar não tem feito. | |||
Responsabilizada pela evasão dos alunos dos bancos escolares, as lan houes | |||
foram colocadas numa oposição à escola e à educação. Ao ler reportagem que versava | |||
sobre este tema para os participantes das oficinas, a reação dos meninos era quase | |||
sempre a mesma. Balançavam a cabeça negativamente e apesar de em alguns casos | |||
reconhecerem que matavam aula para ir à lan house, diziam, no geral, que a escola era | |||
chata e que a proibição não adiantaria. | |||
No século da informação e da velocidade, a escola foi destronada de seu lugar de | |||
saber e sociabilidade, o que não anula a permanência bastante intensa de tais dimensões | |||
na instituição escolar. No entanto, os jovens do século XXI, com cada vez mais | |||
frequência, aprendem e se socializam para além ou apesar da escola, e a nosso ver um | |||
espaço, que, na realidade das favelas cariocas, assume um lugar especial para tais | |||
finalidades, é a lan house. | |||
O objetivo aqui não é a lan house assumir as tarefas e metas de que a instituição | |||
escolar não dá mais conta, mas sim, que tais espaços sejam reconhecidos como | |||
produtores de saber, cultura e sociabilidades. Criando novas relações com o saber, os | |||
frequentadores das lan houses aprendem inglês jogando, manipulam tecnologias | |||
baixando música, passando vídeos por bluetooth, entrando e saindo de sites para | |||
aprender o que desejam. Assim, eles criam novas formas de aprender a partir de seus | |||
desejos e, por consequência, aprendem somente o que para eles importa. Eis um ponto | |||
crítico para se pensar as Políticas Públicas que em geral são formuladas a partir de | |||
dados estatísticos frios. | |||
Tais estatísticas, no geral, são oriundas da aplicação de questionários, com | |||
perguntas objetivas, esquecendo-se de que as perguntas que fazemos dialogam também | |||
com os resultados que queremos. Revelador de novas demandas e práticas juvenis das | |||
classes populares urbanas, vislumbramos a lan house como um importante campo de | |||
estudo para quem deseja investigar as juventudes contemporâneas. | |||
Mas, diferentemente do que muitas visões simplistas sobre as favelas apontam, | |||
o estigma de classes perigosas e a ausência de ações sociais estruturais, e não apenas | |||
temporárias, nesses locais, não produziu apenas falta e carência. Reinventando-se, os | |||
favelados enriqueceram e enriquecem ainda mais sua cultura. | |||
Ao identificar esses aspectos, compreendemos que a aquisição de um | |||
computador pessoal e a possibilidade de acessar a internet de sua casa não irão suprir o | |||
desejo de ir à lan house. Sim, necessidade é diferente de desejo, e os moradores de | |||
Acari e do Santa Marta nos ensinaram essa distinção, ao nos comprovar que a ida à lan | |||
não era fruto da falta de um computador ou internet e sim do querer estar junto. | |||
Autora: '''Pâmella Passos'''. | |||
'''Referências bibliográficas''' | |||
ALVITO, Marcos. As cores de Acari: uma favela carioca. Rio de Janeiro: Editora FGV, | |||
2011. | |||
BARROS, Carla. Reflexões sobre entretenimento, educação e distinção em contextos de | |||
“inclusão digital”. In: FERRAZ, Joana Varon & LEMOS, Ronaldo. Pontos de Cultura | |||
e lan houses: estruturas para a inovação na base da pirâmide social. Rio de Janeiro: | |||
Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, 2011. | |||
CARVALHO, Olívia. B. de M. Jogar, encontrar ou espalhar o currículo por aí: uma | |||
etnografia na lan house e no telecentro. Dissertação de mestrado defendida no | |||
Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. | |||
Niterói, 2010. | |||
COIMBRA, Cecília. Operação Rio: o mito das classes perigosas. Rio de Janeiro: | |||
Oficina do autor; Niterói: Intertexto, 2001. | |||
DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização | |||
juvenil. In: Ed. Social, Campinas,Vol.28, n.100 — Especial, p.1105-1128. Out. 2007. | |||
MARTÌN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e | |||
hegemonia. Trad. de Ronald Polito e Sérgio Alcides. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora da | |||
UFRJ, 2006. | |||
PASSOS, Pâmella. Lan house na favela: cultura e práticas sociais em Acari e no Santa | |||
Marta. Rio de Janeiro: Autografia,2018. | |||
PEREIRA, Vanessa Andrade. Na Lan House, “porque jogar sozinho não tem graça”: | |||
estudos das redes sociais juvenis on e off line. Tese de Doutorado defendida no | |||
Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de | |||
Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. | |||
RODRIGUES, André & SIQUEIRA, Raíza. As Unidades de Polícia Pacificadora e a | |||
Segurança Pública no Rio de Janeiro. In: Comunicações do ISER, nº 67, ano 31-2012. | |||
WHYTE,William Foote. Sociedade de Esquina: a estrutura de uma área urbana pobre | |||
e degradada. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2005. | |||
ZALUAR, Alba & ALVITO, Marcos (Orgs). Um século de favela. Rio de Janeiro: | |||
Editora FGV, 2006. | |||
'''1''' Utilizamos pseudônimo. | |||
'''2''' Utilizamos pseudônimo. | |||
'''3''' Serviço brasileiro de apoio às micro e pequenas empresas. | |||
'''4''' Foram feitas oficinas durante a pesquisa e que funcionaram como grupos focais. |