Baile Funk: mudanças entre as edições

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== O som acima do normal ==
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<span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Assim a vinheta da equipe de som Cashbox definia a potência de seus equipamentos. Desde o anos 1970, a juventude suburbana e periférica do Rio de Janeiro se reunia em bailes marcados pela música tocada em potentes caixas de som, que destacavam os graves das batidas do soul e do funk cantados por artistas negros estadunidenses. Som alto e música black se somavam a danças de movimentos suingados e enérgicos, com ênfase no movimento dos quadris. Passos copiados de artistas como [https://en.wikipedia.org/wiki/James_Brown James Brown] e também inventados no chão dos bailes produziam coreografias individuais e coletivas. Dançarinos e dançarinas vestidos com roupas de uma moda colorida e que valorizava a identidade negra, sintetizada no lema popular da época: Black is beautiful.</span></span></span></span>
Assim a vinheta da equipe de som Cashbox definia a potência de seus equipamentos. Desde o anos 1970, a juventude suburbana e periférica do Rio de Janeiro se reunia em bailes marcados pela música tocada em potentes caixas de som, que destacavam os graves das batidas do soul e do funk cantados por artistas negros estadunidenses. Som alto e música black se somavam a danças de movimentos suingados e enérgicos, com ênfase no movimento dos quadris. Passos copiados de artistas como [https://en.wikipedia.org/wiki/James_Brown James Brown] e também inventados no chão dos bailes produziam coreografias individuais e coletivas. Dançarinos e dançarinas vestidos com roupas de uma moda colorida e que valorizava a identidade negra, sintetizada no lema popular da época: Black is beautiful.
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Este movimento foi batizado de “Black Rio” pela jornalista Lena Frias em uma matéria publicada pelo ''Jornal do Brasil'' em 1976 (Frias: 1976). Acusado de “trazer o racismo para o Brasil”, o Black Rio sofreu críticas de setores da mídia e intelectuais alinhados a diferentes espectros políticos. Seus principais expoentes chegaram a ser perseguidos pelos órgãos de censura do regime ditatorial, que buscava identificar possíveis conexões com o Panteras Negras. Os blacks eram taxados como submissos à cultura norte-americana e acusados de desvalorizar as “raízes do negro brasileiro”, cuja produção essencial deveria ser o samba. O foco político do Black Rio, contudo, não é um consenso. Alguns dos principais organizadores e frequentadores de bailes naquele tempo apontam a diversão como o principal propósito. Mais que uma contradição insolúvel, essa ambiguidade é parte constituinte do que foi o Black Rio e quais foram suas consequências políticas. Uma coisa é certa: a paisagem sonora do Rio de Janeiro mudaria para sempre.</span></span></span></span></p>
 
Este movimento foi batizado de “Black Rio” pela jornalista Lena Frias em uma matéria publicada pelo ''Jornal do Brasil'' em 1976 (Frias: 1976). Acusado de “trazer o racismo para o Brasil”, o Black Rio sofreu críticas de setores da mídia e intelectuais alinhados a diferentes espectros políticos. Seus principais expoentes chegaram a ser perseguidos pelos órgãos de censura do regime ditatorial, que buscava identificar possíveis conexões com o Panteras Negras. Os blacks eram taxados como submissos à cultura norte-americana e acusados de desvalorizar as “raízes do negro brasileiro”, cuja produção essencial deveria ser o samba. O foco político do Black Rio, contudo, não é um consenso. Alguns dos principais organizadores e frequentadores de bailes naquele tempo apontam a diversão como o principal propósito. Mais que uma contradição insolúvel, essa ambiguidade é parte constituinte do que foi o Black Rio e quais foram suas consequências políticas. Uma coisa é certa: a paisagem sonora do Rio de Janeiro mudaria para sempre.
 
== Baile Funk: uma invenção dos anos 1980 ==
== Baile Funk: uma invenção dos anos 1980 ==
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Os bailes funk não são um desdobramento direto dos bailes black, mas herdam seus elementos principais: música tocada em alto som, público de maioria negra, criatividade nas danças e uma moda característica. A sonoridade da bateria eletrônica se espalhou pelo mundo na década de 1980 e não foi diferente nos bailes cariocas. A expressão “funk” passou a ser usada neste período de forma genérica para se referir a uma variedade de gêneros musicais como o latin freestyle, miami bass, electro funk e hip-hop. Os bailes continuavam a crescer em quantidade e tamanho. Centenas de equipes de som organizavam festas por toda a cidade, reunindo milhares de pessoas. A equipe que tivesse os equipamentos de som mais potentes e as melhores músicas era a mais prestigiada. Os DJs eram contratados por elas de acordo com a sua habilidade para animar o público. Foi neste período que equipes de som como a Furacão 2000, Pipo’s, Cash Box e Soul Grandprix - algumas delas atuantes desde a década de 1970 - se consolidaram no imaginário não só de funkeiros cariocas como de fãs em várias cidades do país.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">DJs, donos de equipes e atravessadores de discos de vinis viajavam frequentemente para os Estados Unidos, especialmente Miami e Nova Iorque, para trazer as novidades para o Brasil. Conseguir uma boa música por meio de transações de discos bem sucedidas era parte de ser um bom DJ (Vianna: 1987; Braga: 2015). Importante notar que este era um mercado singular, já que a maioria das músicas não fazia parte do repertório da indústria fonográfica mainstream no Brasil, apesar do grande sucesso entre o público funkeiro. Muitos desses artistas eram desprestigiados nos Estados Unidos, porém tratados como celebridades no mundo funk carioca. A maioria dos bailes acontecia em clubes nos subúrbios da região metropolitana da cidade, mas também havia bailes em favelas e mesmo em escolas públicas.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Foi ainda na década de 1980 que surgiu a primeira pesquisa acadêmica sobre este movimento musical. Hermano Vianna, antropólogo, estudante no Museu Nacional, publicou um livro resultante de sua dissertação de mestrado: ''O mundo funk carioca ''(1988). Ao fim de sua pesquisa, Hermano deu uma bateria eletrônica de presente a um amigo que muito lhe ajudou em sua pesquisa de campo. Naquele momento, um item como esse dificilmente circularia entre os entusiastas do funk, pelo seu custo elevado. Este presente serviu como incentivo para que o DJ Marlboro lançasse, em 1989, o primeiro disco de funk em português. Apesar do pioneirismo, Marlboro não era o único a investir na produção nacional de funk. Alguns meses depois outro DJ, Grandmaster Raphael, lançou seu disco independente também em português. O estilo da produção e composição deste disco é mais próximo daquilo que o funk brasileiro viria a se tornar.</span></span></span></span></p>  
<p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Os bailes funk não são um desdobramento direto dos bailes black, mas herdam seus elementos principais: música tocada em alto som, público de maioria negra, criatividade nas danças e uma moda característica. A sonoridade da bateria eletrônica se espalhou pelo mundo na década de 1980 e não foi diferente nos bailes cariocas. A expressão “funk” passou a ser usada neste período de forma genérica para se referir a uma variedade de gêneros musicais como o latin freestyle, miami bass, electro funk e hip-hop. Os bailes continuavam a crescer em quantidade e tamanho. Centenas de equipes de som organizavam festas por toda a cidade, reunindo milhares de pessoas. A equipe que tivesse os equipamentos de som mais potentes e as melhores músicas era a mais prestigiada. Os DJs eram contratados por elas de acordo com a sua habilidade para animar o público. Foi neste período que equipes de som como a Furacão 2000, Pipo’s, Cash Box e Soul Grandprix - algumas delas atuantes desde a década de 1970 - se consolidaram no imaginário não só de funkeiros cariocas como de fãs em várias cidades do país.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">DJs, donos de equipes e atravessadores de discos de vinis viajavam frequentemente para os Estados Unidos, especialmente Miami e Nova Iorque, para trazer as novidades para o Brasil. Conseguir uma boa música por meio de transações de discos bem sucedidas era parte de ser um bom DJ (Vianna: 1987; Braga: 2015). Importante notar que este era um mercado singular, já que a maioria das músicas não fazia parte do repertório da indústria fonográfica mainstream no Brasil, apesar do grande sucesso entre o público funkeiro. Muitos desses artistas eram desprestigiados nos Estados Unidos, porém tratados como celebridades no mundo funk carioca. A maioria dos bailes acontecia em clubes nos subúrbios da região metropolitana da cidade, mas também havia bailes em favelas e mesmo em escolas públicas.</span></span></span></span></p> <p class="normal" style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="EN" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:">Foi ainda na década de 1980 que surgiu a primeira pesquisa acadêmica sobre este movimento musical. Hermano Vianna, antropólogo, estudante no Museu Nacional, publicou um livro resultante de sua dissertação de mestrado: ''O mundo funk carioca ''(1988). Ao fim de sua pesquisa, Hermano deu uma bateria eletrônica de presente a um amigo que muito lhe ajudou em sua pesquisa de campo. Naquele momento, um item como esse dificilmente circularia entre os entusiastas do funk, pelo seu custo elevado. Este presente serviu como incentivo para que o DJ Marlboro lançasse, em 1989, o primeiro disco de funk em português. Apesar do pioneirismo, Marlboro não era o único a investir na produção nacional de funk. Alguns meses depois outro DJ, Grandmaster Raphael, lançou seu disco independente também em português. O estilo da produção e composição deste disco é mais próximo daquilo que o funk brasileiro viria a se tornar.</span></span></span></span></p>