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Embora os formatos da mídia tenham mudado ao longo de mais de uma década, o traço principal de os textos e imagens serem elaborados por moradores de favelas e periferias, foi mantido durante o funcionamento do Viva Favela. Ao longo de todo esse tempo, alguns deles passaram a coordenar este projeto. | Embora os formatos da mídia tenham mudado ao longo de mais de uma década, o traço principal de os textos e imagens serem elaborados por moradores de favelas e periferias, foi mantido durante o funcionamento do Viva Favela. Ao longo de todo esse tempo, alguns deles passaram a coordenar este projeto. | ||
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==== Origens ==== | ==== Origens ==== | ||
Diferentes atores sociais que participaram da fundação do portal, bem como autores que escreveram sobre o tema, narram, à sua maneira, as origens do Viva Favela. Mas, entre todos, há o consenso de que a criação dessa mídia teve como motivação principal reinvindicações feitas por lideranças e moradores de favelas em prol da existência de um veículo de informação, de amplo alcance, que não reproduzisse a representação estigmatizada das favelas (historicamente) dominante nos veículos de imprensa, associada à criminalidade, violências e aspectos negativos da cidade. As pesquisas e apurações das jornalistas Cristiane Ramalho e Mayra Jucá - ambas editoras do portal em diferentes fases - jogam luz sobre a trajetória do portal, que também nos fala sobre a própria cidade. | Diferentes atores sociais que participaram da fundação do portal, bem como autores que escreveram sobre o tema, narram, à sua maneira, as origens do Viva Favela. Mas, entre todos, há o consenso de que a criação dessa mídia teve como motivação principal reinvindicações feitas por lideranças e moradores de favelas em prol da existência de um veículo de informação, de amplo alcance, que não reproduzisse a representação estigmatizada das favelas (historicamente) dominante nos veículos de imprensa, associada à criminalidade, violências e aspectos negativos da cidade. As pesquisas e apurações das jornalistas Cristiane Ramalho e Mayra Jucá - ambas editoras do portal em diferentes fases - jogam luz sobre a trajetória do portal, que também nos fala sobre a própria cidade. | ||
Conforme Cristiane, o portal nasceu pois “Eles [um grupo de líderes comunitários] queriam uma abordagem mais precisa e menos preconceituosa dessas áreas e pediram ao Viva Rio (leia-se Rubem César Fernandes, diretor executivo dessa ONG) que articulasse uma mudança nesse sentido” (RAMALHO, 2007, pg 15). Ambas editoras reiteram que as circunstâncias dessas reivindicações envolveram a negociação do apoio de lideranças das favelas à manifestação Reage Rio, organizada pelo Viva Rio em 1995, cujo estopim foram os sequestros de três jovens de classe média no mesmo dia. A “contrapartida” da ONG, em troca do apoio, foi no sentido de que “o Viva Rio teria de ajudar a mudar a imagem da favela na mídia” (RAMALHO, 2007, pg 47). Os donos dos maiores jornais impressos da época - Kiko Brito (Jornal do Brasil), João Roberto Marinho (O Globo), e Walter Matos Jr. (O Dia) - eram membros do conselho do Viva Rio e faziam parte da organização da mesma manifestação. Em entrevista a Cristiane, o diretor do Viva Rio, Rubem César, contou que o acordo foi feito com “o alto escalão dos jornais mais influentes da cidade” e os líderes comunitários engrossaram a passeata com moradores de suas comunidades. Somente alguns anos depois, o portal pôde entrar no ar, devido a uma convergência de fatores que propiciaram a sua estruturação em 2001, dentre eles, recursos advindos das organizações Globo e outro projeto do Viva Rio que criava as “Estações Futuro”, centros de acesso gratuito à internet em favelas da cidade. | Conforme Cristiane, o portal nasceu pois “Eles [um grupo de líderes comunitários] queriam uma abordagem mais precisa e menos preconceituosa dessas áreas e pediram ao Viva Rio (leia-se Rubem César Fernandes, diretor executivo dessa ONG) que articulasse uma mudança nesse sentido” (RAMALHO, 2007, pg 15). Ambas editoras reiteram que as circunstâncias dessas reivindicações envolveram a negociação do apoio de lideranças das favelas à manifestação Reage Rio, organizada pelo Viva Rio em 1995, cujo estopim foram os sequestros de três jovens de classe média no mesmo dia. A “contrapartida” da ONG, em troca do apoio, foi no sentido de que “o Viva Rio teria de ajudar a mudar a imagem da favela na mídia” (RAMALHO, 2007, pg 47). Os donos dos maiores jornais impressos da época - Kiko Brito (Jornal do Brasil), João Roberto Marinho (O Globo), e Walter Matos Jr. (O Dia) - eram membros do conselho do Viva Rio e faziam parte da organização da mesma manifestação. Em entrevista a Cristiane, o diretor do Viva Rio, Rubem César, contou que o acordo foi feito com “o alto escalão dos jornais mais influentes da cidade” e os líderes comunitários engrossaram a passeata com moradores de suas comunidades. Somente alguns anos depois, o portal pôde entrar no ar, devido a uma convergência de fatores que propiciaram a sua estruturação em 2001, dentre eles, recursos advindos das organizações Globo e outro projeto do Viva Rio que criava as “Estações Futuro”, centros de acesso gratuito à internet em favelas da cidade. | ||
[[Arquivo:Estação Futuro- projeto paralelo ao Viva Favela que oferecia acesso livre à internet em favelas do RJ. Local- Rocinha. Autoria-foto- Kita Pedroza.jpg|alt=|miniaturadaimagem|500x500px|Estação Futuro: projeto paralelo ao Viva Favela que oferecia acesso livre à internet em favelas do RJ. Local: Rocinha. Autoria/foto: Kita Pedroza]] | |||
Como editora de fotografia do portal de 2001 a 2004, aproximadamente, participei de reuniões de elaboração da linha editorial e da arquitetura da mídia (incluindo seus sites internos), anteriores ao seu lançamento. Minha voz se soma a muitas outras presentes naqueles momentos, cada qual com a sua percepção e suas diferentes lembranças. Lembro que, nas reuniões de concepção das sessões do portal, havia sempre a presença de gente que morava em alguma favela; o ponto de partida das conversas, em geral, era buscar uma cobertura “diferente da grande mídia” relativa ao universo das favelas. Guardei comigo alguns arquivos da época; compartilho um trecho, que não tem autoria, mas foi uma orientação, talvez de um conselheiro ou conselheira: <blockquote>Jornalismo comunitário e linha editorial - | Como editora de fotografia do portal de 2001 a 2004, aproximadamente, participei de reuniões de elaboração da linha editorial e da arquitetura da mídia (incluindo seus sites internos), anteriores ao seu lançamento. Minha voz se soma a muitas outras presentes naqueles momentos, cada qual com a sua percepção e suas diferentes lembranças. Lembro que, nas reuniões de concepção das sessões do portal, havia sempre a presença de gente que morava em alguma favela; o ponto de partida das conversas, em geral, era buscar uma cobertura “diferente da grande mídia” relativa ao universo das favelas. Guardei comigo alguns arquivos da época; compartilho um trecho, que não tem autoria, mas foi uma orientação, talvez de um conselheiro ou conselheira: <blockquote>Jornalismo comunitário e linha editorial - | ||
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Sem fins lucrativos - o jornalismo não está voltado para a conquista de mercado, no sentido financeiro. Procurar aproveitar o potencial comunicativo já existente, sem impor camisas de força no trato das notícias, das formas de apuração etc, diferenciando-se assim do jornalismo tradicional.</blockquote>Levando-se em conta o fato de as representações dos lugares de habitação das classes pobres (e de seus moradores) como “problema” já serem comuns nos jornais do Rio de Janeiro (então capital federal) desde o início do século XX, vale lembrar que as reivindicações que deram origem ao portal tiveram relação com o contexto urbano específico da sua época, os anos 1990 – quando o mesmo tipo de representação ainda predominava (e predomina) nas principais mídias jornalísticas locais. Ao menos um aspecto foi particularmente relevante: naquela década, a cidade atravessou um período de recrudescimento da violência urbana que ganhou repercussão na imprensa regional e internacional, impactando o imaginário sobre as favelas, em larga escala, já que a a criminalidade era praticamente o único assunto noticiado sobre esses lugares. As '''chacinas''' da Candelária e de Vigário Geral, como ficaram conhecidas, ocorridas num curto espaço de tempo entre uma e outra, em 1993, perduram como as maiores marcas, sangrentas, da violência armada da década. Ambas praticadas por policiais militares, deixaram 29 pessoas mortas. Outro aspecto foi o fato de a organização Viva Rio também ter nascido nesta década, fazendo parte de um movimento de aumento significativo da atuação da chamada sociedade civil organizada (as ONGs). | Sem fins lucrativos - o jornalismo não está voltado para a conquista de mercado, no sentido financeiro. Procurar aproveitar o potencial comunicativo já existente, sem impor camisas de força no trato das notícias, das formas de apuração etc, diferenciando-se assim do jornalismo tradicional.</blockquote>Levando-se em conta o fato de as representações dos lugares de habitação das classes pobres (e de seus moradores) como “problema” já serem comuns nos jornais do Rio de Janeiro (então capital federal) desde o início do século XX, vale lembrar que as reivindicações que deram origem ao portal tiveram relação com o contexto urbano específico da sua época, os anos 1990 – quando o mesmo tipo de representação ainda predominava (e predomina) nas principais mídias jornalísticas locais. Ao menos um aspecto foi particularmente relevante: naquela década, a cidade atravessou um período de recrudescimento da violência urbana que ganhou repercussão na imprensa regional e internacional, impactando o imaginário sobre as favelas, em larga escala, já que a a criminalidade era praticamente o único assunto noticiado sobre esses lugares. As '''chacinas''' da Candelária e de Vigário Geral, como ficaram conhecidas, ocorridas num curto espaço de tempo entre uma e outra, em 1993, perduram como as maiores marcas, sangrentas, da violência armada da década. Ambas praticadas por policiais militares, deixaram 29 pessoas mortas. Outro aspecto foi o fato de a organização Viva Rio também ter nascido nesta década, fazendo parte de um movimento de aumento significativo da atuação da chamada sociedade civil organizada (as ONGs). | ||
[[Arquivo:Mangueira. Foto de Deise Lane.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|500x500px|Fotografia publicada no Portal Viva Favela. Matéria: "Rainha de verdade". Data: 19/02/2004. Autoria: Deise Lane]] | |||
No entendimento de alguns autores, a violência urbana é uma gramática, ou linguagem, “que produz uma compreensão prático-moral de boa parte da vida cotidiana nas grandes cidades” (Machado da Silva, 2010). Ainda de acordo com Luiz Antônio Machado da Silva: | No entendimento de alguns autores, a violência urbana é uma gramática, ou linguagem, “que produz uma compreensão prático-moral de boa parte da vida cotidiana nas grandes cidades” (Machado da Silva, 2010). Ainda de acordo com Luiz Antônio Machado da Silva: | ||