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A análise das [[Dossiê de Segurança Pública (coletânea)|políticas públicas de segurança]] do Rio de Janeiro revela uma racionalidade colonialista e racista de atuação do Estado em favelas e periferias. O presente manuscrito se dedica a explorar algumas das controvérsias recentes no que tange à referida política pública, dando espaço e fazendo circular alguns momentos de resistência para expandir nossa compreensão sobre as tarefas que temos, defensores dos direitos humanos, para a construção de futuros possíveis, onde práticas que perpetuam violências, desigualdades e aniquilamentos não sejam mais uma realidade, muito menos operadas pelo Estado Brasileiro. | |||
O presente verbete é um extrato da dissertação de mestrado intitulada “Redes de militarização no Rio de Janeiro : cartografias sobre juventudes, violências e resistências em favelas”, apresentada em 2021 ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFRJ (PPGP/UFRJ). Acesse o texto na íntegra [https://www.academia.edu/72220192/Redes_de_Militariza%C3%A7%C3%A3o_no_Rio_de_Janeiro_cartografias_sobre_juventudes_viol%C3%AAncias_e_resist%C3%AAncias_em_favelas clicando aqui]. | O presente verbete é um extrato da dissertação de mestrado intitulada “Redes de militarização no Rio de Janeiro : cartografias sobre juventudes, violências e resistências em favelas”, apresentada em 2021 ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFRJ (PPGP/UFRJ). Acesse o texto na íntegra [https://www.academia.edu/72220192/Redes_de_Militariza%C3%A7%C3%A3o_no_Rio_de_Janeiro_cartografias_sobre_juventudes_viol%C3%AAncias_e_resist%C3%AAncias_em_favelas clicando aqui]. | ||
Autoria: [[Usuário:Caiqueazael|Caíque Azael,]] Rosa Pedro e Pedro Paulo Bicalho. | |||
Publicado originalmente no caderno de artigos do Congresso Internacional [https://www.redesdamare.org.br/media/downloads/arquivos/Artigos_Finais_-_10_Congresso.pdf Falando sobre Segurança Pública na Maré]. | |||
= Segurança Pública e Direitos Humanos: algumas considerações para seguirmos em luta = | = Segurança Pública e Direitos Humanos: algumas considerações para seguirmos em luta = | ||
<blockquote>A nossa missão histórica, para nós que temos tomado a decisão de romper as malhas do colonialismo, é ordenar todas as rebeldias, todos os atos desesperados, todas as tentativas abortadas ou afogadas em sangue. (Fanon, 1968, p. 215) </blockquote>Em março de 2019, no mesmo condomínio em que mora o atual Presidente da República, foram apreendidos 117 fuzis – desmontados e incompletos, alguns com a inscrição adulterada, porém novos – na casa de um amigo de uma das pessoas que viria a ser incriminada pelo assassinato da vereadora [[Marielle Franco]] (PSOL)<ref>TEIXEIRA, P.; FREIRE, F.; LEITÃO, L.; MARTINS, M. A.; COELHO, H. Polícia encontra 117 fuzis M-16 incompletos na casa de amigo do suspeito de atirar em Marielle e Anderson Gomes. TV Globo e G1 Rio, 12 de março de 2019. Disponível em: <nowiki>https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/03/12/policia-encontra-117-fuzis-m-16-na-casa-de-suspeito-de-atirar-em-marielle-e-anderson-gomes.ghtml</nowiki>. Acesso em: 6 mai. 2021.</ref>. O condomínio Vivendas da Barra é considerado um espaço da “elite” da cidade, com mansões avaliadas em milhões de reais. O evento se caracteriza até o momento como a maior apreensão de armas da história do estado do Rio de Janeiro (e uma das maiores apreensões do Brasil) e não foi disparado nenhum único tiro. Nenhuma pessoa foi ferida na ação. O dono da casa foi preso, mas não ficou muito tempo na cadeia. Ele era um homem, branco, cisgênero, na faixa dos 40 anos. Na mesma operação, os policiais encontraram também mais de 110 mil reais em dinheiro, de procedência desconhecida. | |||
<blockquote>A nossa missão histórica, para nós que temos tomado a decisão de romper as malhas do colonialismo, é ordenar todas as rebeldias, todos os atos desesperados, todas as tentativas abortadas ou afogadas em sangue. (Fanon, 1968, p. 215) </blockquote>Em março de 2019, no mesmo condomínio em que mora o atual Presidente da República, foram apreendidos 117 fuzis – desmontados e incompletos, alguns com a inscrição adulterada, porém novos – na casa de um amigo de uma das pessoas que viria a ser incriminada pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL)<ref>TEIXEIRA, P.; FREIRE, F.; LEITÃO, L.; MARTINS, M. A.; COELHO, H. Polícia encontra 117 fuzis M-16 incompletos na casa de amigo do suspeito de atirar em Marielle e Anderson Gomes. TV Globo e G1 Rio, 12 de março de 2019. Disponível em: <nowiki>https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/03/12/policia-encontra-117-fuzis-m-16-na-casa-de-suspeito-de-atirar-em-marielle-e-anderson-gomes.ghtml</nowiki>. Acesso em: 6 mai. 2021.</ref>. O condomínio Vivendas da Barra é considerado um espaço da “elite” da cidade, com mansões avaliadas em milhões de reais. O evento se caracteriza até o momento como a maior apreensão de armas da história do estado do Rio de Janeiro (e uma das maiores apreensões do Brasil) e não foi disparado nenhum único tiro. Nenhuma pessoa foi ferida na ação. O dono da casa foi preso, mas não ficou muito tempo na cadeia. Ele era um homem, branco, cisgênero, na faixa dos 40 anos. Na mesma operação, os policiais encontraram também mais de 110 mil reais em dinheiro, de procedência desconhecida. | |||
O escândalo que envolve o episódio pode nos ajudar a compreender a relação que as milícias e o tráfico estabelecem com o Estado, bem como discutir sobre as ameaças ao estado democrático de direito que são visibilizadas nesta investigação, sendo a própria morte de Marielle uma dessas expressões. Sobre isso, caberia uma tese à parte. Com a cena da apreensão dos fuzis, fica explícita a ideia que sim, talvez haja crime em TODOS os espaços da cidade. É certo que o caso do Vivendas da Barra contraria alguns teóricos da Criminologia Positivista, que defendiam que territórios específicos produziam bandidos. Não é só nas favelas e periferias que há pessoas cujos atos podem ser considerados ilegais, ainda que seja sempre necessário o exercício de discussão sobre como se produzem essas noções de ilegalismos – eu mesmo discordo da elaboração que é feita sobre drogas ou aborto pela legislação brasileira, para marcar apenas dois exemplos. | O escândalo que envolve o episódio pode nos ajudar a compreender a relação que as [[Milícia|milícias]] e o tráfico estabelecem com o Estado, bem como discutir sobre as ameaças ao estado democrático de direito que são visibilizadas nesta investigação, sendo a própria morte de Marielle uma dessas expressões. Sobre isso, caberia uma tese à parte. Com a cena da apreensão dos fuzis, fica explícita a ideia que sim, talvez haja crime em TODOS os espaços da cidade. É certo que o caso do Vivendas da Barra contraria alguns teóricos da Criminologia Positivista, que defendiam que territórios específicos produziam bandidos. Não é só nas favelas e periferias que há pessoas cujos atos podem ser considerados ilegais, ainda que seja sempre necessário o exercício de discussão sobre como se produzem essas noções de ilegalismos – eu mesmo discordo da elaboração que é feita sobre drogas ou aborto pela legislação brasileira, para marcar apenas dois exemplos. | ||
O problema, na verdade, não é nem a existência do crime em si. Não me ocupo de pensar sobre os supostos delitos. O que me interessa é discutir que, em alguns tipos de crime, a punição adotada assume uma infinidade de formas no campo da violação de direitos (que pode ser inclusive a perda da vida daquela pessoa considerada culpada), mas em outros casos não. Ter 117 armas em casa não pode, mas a forma de se punir o guardião das armas é absolutamente diferente das formas com que se pune, por exemplo, moradores de favelas cujo crime muitas vezes é estar na hora errada e no lugar errado. Aliás, cujo crime é ser morador de favela, pobre e preto. Como vimos em tristes cenas ocorridas no estado do Rio de Janeiro<ref>Para saber mais sobre o tema, confira Silva (2021). </ref>, há uma infinidade de Ágathas, Joãos, Alans, Emilys, Rebecas, Rodrigos... que o crime foi existir num mundo no qual as vidas negras e pobres são indignas de serem vividas. Onde o crime é existir em um mundo no qual o estatuto ontológico da vida não considera pessoas negras humanas – ou as considera numa subcategoria, cujas vidas podem ser ceifadas a qualquer momento. | O problema, na verdade, não é nem a existência do crime em si. Não me ocupo de pensar sobre os supostos delitos. O que me interessa é discutir que, em alguns tipos de crime, a punição adotada assume uma infinidade de formas no campo da violação de direitos (que pode ser inclusive a perda da vida daquela pessoa considerada culpada), mas em outros casos não. Ter 117 armas em casa não pode, mas a forma de se punir o guardião das armas é absolutamente diferente das formas com que se pune, por exemplo, moradores de favelas cujo crime muitas vezes é estar na hora errada e no lugar errado. Aliás, cujo crime é ser morador de favela, pobre e preto. Como vimos em tristes cenas ocorridas no estado do Rio de Janeiro<ref>Para saber mais sobre o tema, confira Silva (2021). </ref>, há uma infinidade de Ágathas, Joãos, Alans, Emilys, Rebecas, Rodrigos... que o crime foi existir num mundo no qual as vidas negras e pobres são indignas de serem vividas. Onde o crime é existir em um mundo no qual o estatuto ontológico da vida não considera pessoas negras humanas – ou as considera numa subcategoria, cujas vidas podem ser ceifadas a qualquer momento. | ||
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