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Estudo relacionado ao | Estudo relacionado ao [[Clássicos e contemporâneos sobre favelas Curso IESP-UERJ|curso Clássicos e contemporâneos sobre favelas]], realizado no âmbito do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O curso teve objetivo de debater o lugar das favelas no Rio de Janeiro, estabelecendo diálogos entre estudos clássicos e contemporâneos. Este verbete registra o debate, realizado em uma das aulas, voltado para o tema "Política nas favelas". | ||
Autoria: Bruno Guilhermano; Thaís Cruz. | Autoria: Bruno Guilhermano; Thaís Cruz. | ||
== Sobre == | |||
O encontro intitulado “Política nas favelas”, realizado no dia 11 de abril, viabilizou o diálogo a partir de textos considerados clássicos na temática em questão, escritos por [[Anthony e Elizabeth Leeds (pesquisadores)|Anthony e Elizabeth Leeds]] e [[Luiz Antonio Machado da Silva (homenagens)|Luiz Antônio Machado da Silva]]. | |||
Na sua “Introdução”, Anthony Leeds preocupa-se em contextualizar os marcos teóricos que lhe inspiraram, tal como as análises das relações entre classes, propostas por Marx e correntes interacionistas. A abordagem sistêmica do marxismo é algo que Leeds valoriza, além de suas análises substantivas a processos “reais”, salientando como as dinâmicas do poder não apenas estão localizadas no acesso e controle dos meios de produção, mas também em outras organizações e instituições. | A obra “A sociologia do Brasil urbano” de Leeds, publicada em 1978, refere-se a uma das primeiras etnografias em favelas no Rio de Janeiro, com ênfase na comunidade de [[Jacarezinho, Rio de Janeiro|Jacarezinho]]. O projeto de cooperação que garantiu o trabalho do casal Leeds no Brasil repercutiu em contribuições teórico-metodológicas e conceituais singulares aos estudos etnográficos urbanos. Durante a aula, destacamos a “Introdução” e o “capítulo II” do livro referido, elaborado após seis anos de trabalho de campo. | ||
Na sua “Introdução”, [[Anthony Leeds (pesquisador)|Anthony Leeds]] preocupa-se em contextualizar os marcos teóricos que lhe inspiraram, tal como as análises das relações entre classes, propostas por Marx e correntes interacionistas. A abordagem sistêmica do marxismo é algo que Leeds valoriza, além de suas análises substantivas a processos “reais”, salientando como as dinâmicas do poder não apenas estão localizadas no acesso e controle dos meios de produção, mas também em outras organizações e instituições. | |||
No capítulo introdutório, o autor faz explicações breves sobre o que o(a) leitor(a) irá encontrar nas partes que compõem a obra. Uma delas, em destaque, é o capítulo II, nomeado “Poder local em relação com instituições de poder supralocal”, escrito em 1964 por Leeds. O seu olhar ao poder na favela é revelador de como os recursos e os comportamentos políticos moldam as relações entre comunidades e instituições citadinas. Essa visão sugere que os recursos das localidades estão associados a atores com atuações e recursos exógenos. | No capítulo introdutório, o autor faz explicações breves sobre o que o(a) leitor(a) irá encontrar nas partes que compõem a obra. Uma delas, em destaque, é o capítulo II, nomeado “Poder local em relação com instituições de poder supralocal”, escrito em 1964 por Leeds. O seu olhar ao poder na favela é revelador de como os recursos e os comportamentos políticos moldam as relações entre comunidades e instituições citadinas. Essa visão sugere que os recursos das localidades estão associados a atores com atuações e recursos exógenos. | ||
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Contudo, no entendimento de Leeds, as favelas não são apenas territórios com populações manobradas pelas estruturas e instituições supralocais. O poder local, observado nas favelas através de seus agentes e recursos, também se opõe, desvia ou se apropria das pressões e recursos das instituições supralocais - algo que deve ser observado e examinado na pesquisa sociológica e antropológica. | Contudo, no entendimento de Leeds, as favelas não são apenas territórios com populações manobradas pelas estruturas e instituições supralocais. O poder local, observado nas favelas através de seus agentes e recursos, também se opõe, desvia ou se apropria das pressões e recursos das instituições supralocais - algo que deve ser observado e examinado na pesquisa sociológica e antropológica. | ||
Esta proposição é vista posteriormente. No final da década de 1960 e início de 1970, Anthony Leeds havia ministrado o primeiro curso de Antropologia urbana no Museu Nacional, tendo Luís Antônio Machado da Silva como um dos seus estudantes. Antes disso, Leeds e Machado já haviam se conhecido, em 1966, relação que influencia a escrita de | Esta proposição é vista posteriormente. No final da década de 1960 e início de 1970, Anthony Leeds havia ministrado o primeiro curso de Antropologia urbana no Museu Nacional, tendo Luís Antônio Machado da Silva como um dos seus estudantes. Antes disso, Leeds e Machado já haviam se conhecido, em 1966, relação que influencia a escrita de "[[Política nas favelas]]” pelo então aprendiz Machado. | ||
A partir desse diálogo, foi inserido na aula o texto de Machado da Silva. Em seu primeiro artigo publicado, datado de 1967, resultado de seu trabalho com Anthony Leeds nas favelas cariocas, mostra como a estratificação social interna nessas localidades se desdobra em uma forma de fazer política (Machado da Silva, 1967). Machado ressalta que é essencial levar em consideração que a favela apresenta uma forma de organização tipicamente capitalista e as alternativas disponíveis para investimento e acúmulo de capital são diversas. E nessa organização, certos moradores – a “burguesia favelada”, como denomina Machado – monopolizam o acesso, o controle e a manipulação dos recursos econômicos e decisões políticas (Ibidem). Machado também aponta que a própria “tirania” da burguesia favelada vem da inação dos estratos mais inferiores. | A partir desse diálogo, foi inserido na aula o texto de Machado da Silva. Em seu primeiro artigo publicado, datado de 1967, resultado de seu trabalho com Anthony Leeds nas favelas cariocas, mostra como a estratificação social interna nessas localidades se desdobra em uma forma de fazer política (Machado da Silva, 1967). Machado ressalta que é essencial levar em consideração que a favela apresenta uma forma de organização tipicamente capitalista e as alternativas disponíveis para investimento e acúmulo de capital são diversas. E nessa organização, certos moradores – a “burguesia favelada”, como denomina Machado – monopolizam o acesso, o controle e a manipulação dos recursos econômicos e decisões políticas (Ibidem). Machado também aponta que a própria “tirania” da burguesia favelada vem da inação dos estratos mais inferiores. | ||
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Muito embora ressalte a participação política e a agência dos moradores, Machado reconhece que eles continuavam a ser submetidos a arranjos de poder que reiteram a posição de subalternidade. Isso porque o poder político da burguesia favelada, assim como os recursos internos, dependem de fatores externos. Em nível estadual e federal esse poder se traduz em “meras condições de barganha de votos por acréscimo ou manutenção dos recursos internos, isso é de sua posição na estratificação da favela” (Machado da Silva, 1967). Entretanto, não significa dizer que o político favelado é absolutamente ingênuo ou inábil. Como aponta Machado, o político favelado possui uma postura que poderia ser descrita como “realista”, cuja característica principal é sua orientação para os resultados a curto prazo. Mais especificamente, eles buscam políticas imediatistas, benefícios que são frequentemente pequenos e às vezes pessoais. | Muito embora ressalte a participação política e a agência dos moradores, Machado reconhece que eles continuavam a ser submetidos a arranjos de poder que reiteram a posição de subalternidade. Isso porque o poder político da burguesia favelada, assim como os recursos internos, dependem de fatores externos. Em nível estadual e federal esse poder se traduz em “meras condições de barganha de votos por acréscimo ou manutenção dos recursos internos, isso é de sua posição na estratificação da favela” (Machado da Silva, 1967). Entretanto, não significa dizer que o político favelado é absolutamente ingênuo ou inábil. Como aponta Machado, o político favelado possui uma postura que poderia ser descrita como “realista”, cuja característica principal é sua orientação para os resultados a curto prazo. Mais especificamente, eles buscam políticas imediatistas, benefícios que são frequentemente pequenos e às vezes pessoais. | ||
Por fim, no encontro, dialogamos sobre a obra “Vida sob cerco - violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro” (2008), concebida como uma coletânea de artigos de diferentes pesquisadores. Nela, Machado da Silva, organizador, apresenta o conceito central de | Por fim, no encontro, dialogamos sobre a obra “Vida sob cerco - violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro” (2008), concebida como uma coletânea de artigos de diferentes pesquisadores. Nela, Machado da Silva, organizador, apresenta o conceito central de “[[Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano (artigo)|sociabilidade violenta]]”, que realça aspectos e dinâmicas interacionais dos habitantes do Rio de Janeiro. | ||
Aqui, a obra do autor alcançou outros focos e nuances. O livro referido aborda os efeitos da violência criminal e policial sobre a sociabilidade de favelas do Rio de Janeiro, destacando o efeito de dispositivos que constituem a segregação social e territorial das localidades. Ao se questionar não sobre as dinâmicas da política, como fez na década de 1960, mas sim sobre como moradores lidam com a proximidade territorial com grupos armados e com o assédio violento das polícias, Machado apresenta o conceito de “sociabilidade violenta” para demarcar esses fenômenos. Ao tratá-lo, notadamente, realça as formas pelas quais a violência criminal e policial está distribuída desigualmente pela cidade do Rio de Janeiro. As experiências de confinamento territorial e de contato com a violência fazem com que populações busquem se diferenciar e a se classificar como “trabalhador”, “estudante” diante da contiguidade com os grupos armados. | Aqui, a obra do autor alcançou outros focos e nuances. O livro referido aborda os efeitos da violência criminal e policial sobre a sociabilidade de favelas do Rio de Janeiro, destacando o efeito de dispositivos que constituem a segregação social e territorial das localidades. Ao se questionar não sobre as dinâmicas da política, como fez na década de 1960, mas sim sobre como moradores lidam com a proximidade territorial com grupos armados e com o assédio violento das polícias, Machado apresenta o conceito de “sociabilidade violenta” para demarcar esses fenômenos. Ao tratá-lo, notadamente, realça as formas pelas quais a violência criminal e policial está distribuída desigualmente pela cidade do Rio de Janeiro. As experiências de confinamento territorial e de contato com a violência fazem com que populações busquem se diferenciar e a se classificar como “trabalhador”, “estudante” diante da contiguidade com os grupos armados. | ||
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Notadamente, mesmo que escritas em outra época (reunindo marcas e interesses de cada tempo), as obras do casal Leeds e de Machado da Silva produzem efeitos significativos aos estudos urbanos, principalmente por demonstrarem como as favelas estão conectadas a outras escalas, além de demonstrarem como as formas de produção da política, do poder e da violência, nesses territórios, são heterogêneas e situadas em conjunturas históricas. | Notadamente, mesmo que escritas em outra época (reunindo marcas e interesses de cada tempo), as obras do casal Leeds e de Machado da Silva produzem efeitos significativos aos estudos urbanos, principalmente por demonstrarem como as favelas estão conectadas a outras escalas, além de demonstrarem como as formas de produção da política, do poder e da violência, nesses territórios, são heterogêneas e situadas em conjunturas históricas. | ||
'''Debatedoras/es: Bruno; Thaís.''' | |||
== Referências bibliográficas == | |||
Leeds, Anthony & Leeds, Elizabeth. (2015). A sociologia do Brasil urbano. 2 ed. Organizada por Elizabeth Leeds e Nísia Trindade Lima. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. | |||
Machado da Silva, Luiz Antonio. “A política na favela”, Cadernos Brasileiros, Ano IX, nº41, maio/junho de 1967, pp. 35-47. | |||
Machado da Silva, Luiz Antonio (org.). "Introdução". Vida sob cerco – violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Faperj, 2008. | |||
=== Bibliografia complementar === | |||
Machado da Silva, Luiz Antonio; Cavalcanti, Mariana; Motta, Eugênia; Araújo, Marcella (Orgs.). O mundo popular: trabalho e condições de vida. 1. ed. Rio de Janeiro: Papeis Selvagens, 2018. | |||
Machado da Silva, Luiz Antonio. Fazendo a cidade: trabalho, moradia e vida local entre as camadas populares urbanas. Mórula Editorial, 2020. | |||
Vianna, Rachel de Almeida. O encontro da antropologia com a favela: Anthony e Elizabeth Leeds no Jacarezinho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2023. | |||
== Ligações externas == | |||
[https://iesp.uerj.br/ Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)] | |||
== Ver também == | |||
* [[Política na favela (artigo)]] | |||
* [[Favelas e Comunidade Política – A partir dos anos 1960]] | |||
* [[Cultura e Política nas favelas e periferias (live)]] | |||
[[Categoria:Temática - Educação]] | [[Categoria:Temática - Educação]] | ||
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[[Categoria:Política]] | |||
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